A cena que se viu na quinta-feira 18 em Washington poderia ser um videotape do que aconteceu no dia 4. O presidente americano, George W. Bush, escudado pelo secretário de Estado, Colin Powell, marchou do Salão Oval até o Jardim das Rosas da Casa Branca para falar das intervenções americanas no conflito entre Israel e Palestina. Mas a repetição de imagens não veio acompanhada da mesma trilha sonora. Como Cristo, Bush mudou da água para o vinho num passe de mágica. No começo do mês, anunciando um giro de Powell pelo Oriente Médio em uma tardia iniciativa americana de paz na região, o presidente dava um basta à “tempestade de violência” que engolfa a Palestina. Repetidas vezes, Bush exigiu que Israel retirasse suas tropas das terras ocupadas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Foi solenemente ignorado: Powell voltou de mãos abanando, sem ter conseguido sequer um compromisso de reunião para se discutir uma saída para a crise. Na quinta-feira 18, Bush anunciava ao mundo que havia se criado um “caminho para a conquista da paz” e o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, era “um homem de paz”.

No exato momento em que Bush anunciava a criação de seu caminho da paz, observadores das Nações Unidas e as câmeras de tevê peregrinavam pelos escombros da cidade de Jenin, na Cisjordânia. Testemunhavam uma destruição de proporções bíblicas. Os tanques israelenses pegavam as estradas para outras freguesias, mas esta remoção – saudada em Washington como uma retirada de tropas – na verdade se dava sob a certeza do “dever cumprido”. Não havia mais necessidade de presença numa área onde fora estabelecida a chamada paz dos cemitérios. No local, o enviado especial da ONU, Terje Roed-Larsen, fez uma avaliação do que restou: “É um horror inacreditável. Sente-se o fedor da morte por toda parte. Os corpos estão espalhados por todos os lugares.” As escavadeiras vasculhavam as ruínas em buscas de corpos de uma população inteira rotulada de terrorista.

Sem trunfos – O secretário Powell é um viajante escolado e aterrissou em Tel Aviv com pouquíssimo na bagagem: apenas a esperança de convencer Ariel Sharon e o líder palestino Yasser Arafat a nomear representantes para negociações de um cessar-fogo. De saída, foi avisado de que não levaria nem um esboço de acordo para casa como souvenir. Em Jerusalém, Powell visitou o bunker onde Arafat está sitiado e foi testemunha de que o chamado “caminho para a conquista da paz” está pavimentado de corpos. Do negociador palestino, Saeb Erekat, ouviu os protestos de que os supostos assassinos do ex-ministro do Turismo de Israel foram transportados há dois meses de Nablus a Ramalá, na Cisjordânia, numa viatura oficial americana. Ou seja: os EUA serviram de choferes para presos de Israel. Os supostos militantes da organização radical Hamas “deveriam ser julgados no local onde foram presos”, comentou Erekat.

Esse episódio, diante da carnificina que se verifica na região, poderia passar apenas como uma tecnicalidade, não fosse o fato de que os americanos participaram do enredo. “A impressão que se tem é que os EUA estão em conluio com Israel e apóiam todas as suas ações militares, principalmente quando elas envolvem o terrorismo”, disse à ISTOÉ Mohammed Abu Shalayl, professor de política internacional da Universidade de Aman, na Jordânia.

As suspeitas árabes de um conluio entre americanos e israelenses também são reforçadas pela luta intestina travada no governo Bush. Há uma guerra, nem tanto silenciosa, entre os chamados moderados, centrados no Departamento de Estado do secretário Powell, e os linhas-duras, aquartelados no Departamento de Defesa do secretário Donald Rumsfeld. Quando o vice-presidente, Dick Cheney, fez sua turnê pelo Oriente Médio, na condição de vendedor ambulante da idéia de um ataque a Saddam Hussein, seus ouvidos voltaram cheios de queixas de líderes árabes sobre a apatia americana diante da situação palestina. Cheney, aliado com os linhas-duras do Pentágono, teria entendido que o caminho da guerra ao Iraque passava por Jerusalém. Sem uma acomodação na questão israelense-palestina, não haveria apoio à investida ianque contra Bagdá. Foi quando Washington mudou sua política de não envolvimento no conflito da Palestina.

O ex-secretário de Defesa do governo Bill Clinton, o republicano William Cohen, disse a ISTOÉ que até a palavra engajamento havia sido riscada do linguajar oficial dos papéis do Pentágono. “Parece que este governo quer fazer tudo ao contrário do que fez o governo anterior. Tanto que obliteraram uma das marcas registradas da administração Clinton, a palavra engajamento. Mas esta política não dá certo e o governo Bush está vendo agora que não se pode virar as costas à questão palestina”, disse. Esta percepção teria sido a responsável pela emissão do bilhete de viagem de Colin Powell. Sua posição moderada, no entanto foram tranez com que ele voltasse a levar chumbo dos linhas-duras, depois que regressou do Oriente Médio com as mãos abanando. Fala-se até que o herói da guerra do Golfo estaria sendo fritado pela Casa Branca.