ARTE: FERNANDO BRUMDepois de anos com medo da reação dos eleitores em relação ao desperdício do dinheiro público, o Congresso brasileiro protagonizou, nos últimos dias, quatro exemplos de que os bons tempos da gastança estão de volta.

1 Na mesma semana em que o governo editou um decreto restringindo o uso de carros oficiais e proibindo até mesmo traslados até o aeroporto, a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), pegou o Fiat Marea preto, do Senado, e, na noite da terça-feira 18, foi à casa de Antonieta Silva, funcionária do setor de relações públicas do Palácio do Planalto, no Lago Norte. Não se tratava de uma visita oficial. A senadora foi apenas cumprimentar um antigo amigo impedido de exercer qualquer função pública: o ex-ministro José Dirceu, que comemorava seus 62 anos de idade. O carro permaneceu na porta da casa até o início da madrugada.

2 Também na última semana, parte dos congressistas ocupou as tribunas do Senado e da Câmara para criticar com veemência a decisão do governo federal de estender os benefícios do programa Bolsa Família aos jovens de 16 e 17 anos, o que significa mais R$ 30 para cada um desses adolescentes que estavam deixando a escola. Tachavam a medida de eleitoreira. Enquanto isso, integrantes do chamado baixo clero da Câmara trabalhavam para aumentar a verba de gabinete dos deputados de R$ 50 mil para R$ 60 mil, o que lhes permitirá contratar mais funcionários em ano eleitoral. “O presidente Arlindo Chinaglia (da Câmara) ficou de consultar os líderes sobre o aumento. Havia uma reunião na semana passada para discutir o assunto, mas acabou adiada”, confirma o deputado Ciro Nogueira (PP-PI).

3 O terceiro exemplo de que em nosso Parlamento muitas vezes a emenda sai mais cara que o soneto tem proporções mais avantajadas. O mesmo Congresso que leva mais de três meses para votar o Orçamento da União, sob ameaça de paralisar as obras do PAC, não perde tempo em discutir o investimento milionário na construção de mais gabinetes. Entre as obras previstas no Orçamento para este ano está a ampliação do Anexo IV, orçado em R$ 27 milhões, e a construção do anexo V, por R$ 22 milhões.

4 Por fim, a gastança de recursos públicos se amplia com a decisão de reformar os apartamentos funcionais da Câmara, jogados às traças há 30 anos. A primeira etapa da reforma, envolvendo 96 unidades de quatro edifícios, está orçada em R$ 29,5 milhões. Mas o total não sairá por menos de R$ 110 milhões. Cada apartamento da Superquadra 302 Norte tem 225 metros quadrados de área privativa e está avaliado em R$ 700 mil. Pelo projeto, sobreviverão apenas a estrutura de concreto e a alvenaria interna. O resto vai passar por uma revisão geral. A Câmara, no entanto, corre o risco de gastar muito em obras para poucos. Os deputados simplesmente não querem morar nos apartamentos funcionais. Eles têm uma opção remunerada para isso. Hoje, os deputados recebem mensalmente R$ 3 mil a título de auxílio- moradia para morar em flats ou alugar casas ou apartamentos. “Seria mais prudente a realização de uma pesquisa junto a todos os deputados para que eles mesmos dissessem o que é melhor fazer”, pondera o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF).

Com tudo isso fica fácil explicar os dados da ONG Transparência Brasil que mostram que o Congresso brasileiro é um dos recordistas mundiais de gastos. Só perde para os Estados Unidos, onde cada congressista custa em média, anualmente, R$ 15,3 milhões. No total, cada parlamentar brasileiro custa R$ 10,2 milhões. O levantamento feito pela ONG considerou o gasto com todos os parlamentares do Congresso Nacional, mas, mesmo se o Senado deixasse de existir e se considerasse apenas a Câmara dos Deputados, o custo de cada mandato ainda seria o segundo maior da lista. Cada deputado custa individualmente R$ 6,9 milhões. “Gastamos muito mais, em proporções elevadíssimas, do que países europeus. E a relação custo-benefício não é nada favorável. Isso é muito ruim porque o Parlamento é importante para a democracia, mas há uma grande falta de resposta à sociedade”, afirma Claudio Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil.

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O custo anual de cada congressista é 2,6 vezes maior do que o do parlamentar da Itália, três vezes maior do que o da Alemanha, 10,7 vezes do que o de Portugal e 12 vezes mais que o da Espanha. O estudo também revelou que o gasto individual de cada deputado brasileiro é igualmente alto. Hoje um integrante da Câmara dos Deputados gasta mais de R$ 100 mil por mês, entre salários e auxílios. Já na Câmara dos Comuns britânica, por exemplo, a quantia é de R$ 50 mil. Quer dizer, os britânicos gastam a metade do que gasta um parlamentar brasileiro, embora o país tenha renda e padrão de vida bem superiores aos do Brasil. “Os integrantes das casas legislativas brasileiras perderam a noção de proporção entre o que fazem e o País em que vivem”, conclui o relatório da Transparência Brasil.

CONFORTO Quem sabe, a poltrona ajudará deputados a comparecerem às sessões

POLTRONAS MASSAGEADORAS
O quórum não deverá ser mais um problema na Assembléia Legislativa de Mato Grosso. O expediente lá agora tornou-se uma atividade relaxante. A Assembléia gastou quase R$ 80 mil para comprar, por R$ 3.058 cada uma, poltronas massageadoras para os deputados. As cadeiras que, segundo os parlamentares do Estado, “acomodam melhor” a coluna cervical do que as demais, dispõem de uma tecnologia chamada de indução magnética, que tem a capacidade de ativar a circulação.

O mecanismo massageador funciona por intermédio de um controle eletrônico e tem o objetivo de aliviar o desconforto lombar daqueles que passam longos períodos do dia sentados. A alegação dos deputados é de que a compra foi “necessária e oportuna”. Necessária porque houve um remanejamento do lote antigo de cadeiras para dois auditórios que costumam abrigar audiências públicas. E oportuna porque a fábrica estava fazendo uma promoção. Como na Assembléia o expediente em plenário só se dá três dias por semana, é possível que com as novas poltronas os deputados possam finalmente se tornar mais assíduos na Casa.

 


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