Depois de décadas de bonança, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica anunciou na segunda-feira 15, em Londres, que a venda de CDs caiu 5% em 2001. O aumento das vendas nos camelôs e os arquivos digitais copiados gratuitamente na internet foram responsáveis por um prejuízo de US$ 1,7 bilhão. O anúncio foi feito durante uma coletiva de imprensa que durou exatos 20 minutos. Para provar como é fácil copiar CDs, o presidente da federação, Jay Berman, exibiu 25 discos gravados naquele intervalo de tempo e disparou: “Por que alguém sairia para comprar um CD numa loja?” A pergunta atormenta o sono dos empresários musicais.

Copiar e armazenar uma canção foi um dos primeiros choques impostos à música pelo avanço tecnológico. “Faço meus discos num quartinho. A tecnologia minimizou preços, não afetou a qualidade e deu mais autonomia ao artista”, diz o cantor e compositor carioca Lobão, que lança nas bancas de revistas a segunda edição de seu CD Uma odisséia no universo, ao preço de R$ 11,90. Para Lobão, a cópia de arquivos digitais de música se popularizou porque o preço do CD ainda é alto. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Disco, o mercado paralelo serviu como uma pá de cal para fechar as portas de duas mil lojas de discos só na cidade de São Paulo.

A música sempre esteve atrelada a um objeto físico, seja CD, LP, seja fita cassete. Hoje, ela flui como água no mundo virtual. Pela internet é possível gravar – sem pagar um centavo – o show ao vivo do Belle & Sebastian no Rio de Janeiro e ouvir o novo CD do Oasis, que será lançado em julho, mas vazou para a rede na semana passada. A estudante de artes plásticas Flávia Couto, 21 anos, montou uma discoteca de músicas baixadas da internet. Ela acessa os programas buscando sons variados, que incluem trilhas sonoras de filmes, shows ao vivo e música de desenho animado. “Baixei a trilha do desenho Corrida maluca e conheci boas bandas de rock”, diz Flávia.

O fenômeno da pirataria digital começou como brincadeira em 1999, quando o jovem americano Shawn Fanning criou o Napster, serviço de troca de músicas online no formato mp3, que comprime os arquivos para ocupar pouco espaço. O site registrava mais de 1,4 mil cópias gratuitas de canções por minuto e chegou a ter 600 milhões de usuários. As gravadoras estimam que mais de três bilhões de canções eram baixadas mensalmente.

A gigante EMI contra-atacou com um processo judicial que tirou o Napster do ar em julho de 2001 por ferir a legislação de direitos autorais. A calmaria durou pouco. Logo surgiram os substitutos. Um deles, o Morpheus, contou 70 milhões de cópias gratuitas nos últimos dez meses. Ele concorre com o Audiogalaxi, o Kazaa e o Grokster, que já sofrem processos de gravadoras nos EUA. Os internautas acessam o site e trocam músicas entre si. A prova de que a música online veio para ficar é que as cinco maiores gravadoras, EMI, Warner, Bertellsmann, Sony e Universal, são as principais acionistas dos dois primeiros sites pagos de música, o MusicNet e o PressPlay, que cobram taxa mensal de US$ 9,50 para arcar com os direitos autorais. A diferença entre acessar estes programas e os serviços similares ao Napster pode ser comparada à que existe entre as emissoras de tevê convencional e os canais pagos.

O livre tráfego de canções na internet é o cenário ideal para quem aprecia música, mas resta saber quem pagará a conta. “O internauta deveria pagar uma taxa ao artista e ao compositor a cada música baixada da rede”, sugere o músico Kiko Zambianchi. Como é difícil controlar a anarquia da rede, as gravadoras investem em discos com código de proteção. A Sony Music lançou um disco da cantora canadense Celine Dion com um sistema que o impede de ser tocado em computadores. No Brasil já existe um site de arquivos cedidos pelas gravadoras. O iMusica oferece 14 mil canções a preços que variam de R$ 0,9 a R$ 2,4 por faixa. Estão lá os sucessos nacionais medidos pelo cacife de vendas, como Netinho, Charlie Brown Jr. e Tijuana. “O mp3 ameaça o comércio e incomoda os músicos famosos, mas é uma forma de divulgar novos artistas”, diz Carlos Farinha, dono da loja de discos e do selo independente Bizarre Records. O DJ paulista Márcio Custódio usa a tecnologia para apresentar novas bandas e compor parte das trilhas sonoras das festas que embala. “A internet é o melhor caminho para conhecer o que rola de novo na cena internacional”, diz Custódio.

O mp3 incrementou o mercado de quinquilharias eletrônicas, como o Ipod, produto criado para computadores Macintosh que custa R$ 1.600, tem o tamanho de um maço de cigarros e capacidade para guardar 2.000 músicas. O mercado de produtos para armazenar e reproduzir sons em formato digital cresce 51% ao ano. Em 2001, rendeu US$ 3,3 milhões e estima-se queem 2002 chegará a US$ 5,1 milhões, o que inclui a venda de equipamentos como walkman, telefone celular, computador de mão e relógio que acessa a internet e toca músicas digitais.

O maior defeito do mp3 é a ausência de informação sobre o que se baixa da rede. “Você curte uma banda, mas não sabe de onde ela é, nem tem acesso às letras das canções”, reclama Flávia, que baixou uma música cantada pela atriz Diane Keaton no filme Annie Hall, de Woody Allen, mas até hoje não tem certeza do nome da música. O mp3 também não satisfaz o prazer tátil e o fetiche materialista de possuir a capinha do disco original, as letras e o encarte. Em compensação, a distribuição online do conteúdo artístico se mostrou tão viável que contagiou o cinema. Já é possível baixar a versão pirata de filmes como Matrix e Senhor dos anéis. Mais uma evidência de que o caos da internet
veio para ficar.