Espalhada por seis países sul-americanos, a Amazônia abriga 50% da biodiversidade mundial, ou seja, metade de todas as espécies de plantas e animais que existem na Terra. No paraíso do verde, são pelo menos cinco mil espécies diferentes de árvores. Enquanto na Europa cada hectare de floresta tem de quatro a 25 espécies de árvores, a variedade salta de 40 a 300 espécies em quinhão similar da Amazônia. É na imensidão brasileira dessa floresta que uma equipe de cientistas capitaneada pelo médico Drauzio Varella tenta descobrir novas substâncias para tratar de doenças como o câncer e as infecções bacterianas, aquelas que costumam proliferar nos hospitais. A busca começa com a coleta de plantas às margens do rio Negro, em pleno Amazonas, e deságua em um sofisticado laboratório na avenida Paulista, em São Paulo. O mapa do tesouro ainda está sendo desenhado, mas um entusiasmo sem precedentes marcou a última expedição ao trecho de floresta esquadrinhado pelo grupo desde meados de 1995. Uma de suas missões era fazer a recoleta de três espécies de plantas cujos extratos mostraram resultados positivos contra bactérias resistentes a antibióticos.

“Precisamos coletar maiores quantidades de folhas dessas espécies, para prosseguirmos com os testes, fracionando o extrato até chegar às substâncias isoladas”, explica a farmacêutica Ivana Suffredini, cujo doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) foi exatamente sobre triagem de extratos ativos contra bactérias e células tumorais. “Em seguida, descobriremos se a reação que ocorreu nas bactérias que temos no laboratório se deve a uma substância específica ou à combinação de várias.” A bordo do barco Jacaré Tinga I, com o resto do grupo, Ivana estava recentemente à procura de uma determinada espécie da família das anonáceas, no começo do arquipélago das Anavilhanas. Para não entregar o ouro antes
de desenterrar todo o baú, a cientista prefere revelar o nome das espécies que analisa apenas quando o trabalho estiver concluído.

Aos 34 anos, Ivana é peça fundamental no projeto coordenado por Drauzio Varella e patrocinado pela Universidade Paulista (Unip). A cientista de traços suaves habituada a manipular tubos de ensaio se transforma quando entra na mata, com um facão na cintura, e vislumbra algum galho de seu interesse. “Tem uma parte do serviço pesado que ela não deixa ninguém fazer”, comenta Drauzio. Famoso por suas múltiplas e bem-sucedidas atividades, o médico é coordenador científico da Unip e responsável pela pesquisa na Amazônia. A semente do projeto foi lançada ao acaso, depois de um congresso internacional de biotecnologia organizado pela universidade em 1992, com a participação de 20 renomados especialistas. Terminados os debates em São Paulo, os cientistas foram levados para conhecer a Amazônia, a passeio. Diante daquela maravilha da natureza, o americano Robert Gallo, um dos pioneiros na pesquisa da Aids, perguntou a Drauzio se havia algum grupo pesquisando a biodiversidade amazônica. “Fiquei com vergonha ao responder que não”, lembra. “Mas não parei de pensar no assunto.”

Uma das primeiras providências do médico foi conhecer de perto o trabalho do American Institute for Cancer Research, com sede nas imediações de Washington. Em 50 anos de atuação, o instituto já catalogou mais de 140 mil extratos de plantas e organismos marinhos. Deles, oito viraram drogas antitumorais, das quais três têm ampla aceitação do mercado: o taxol, a vincristina e a vinblastina. Em vez de desanimar com a dificuldade em obter resultados positivos na área, Drauzio decidiu investir na pesquisa, aproveitando a estrutura da escola flutuante que a universidade já havia criado na Amazônia. Ainda no contato inicial com a organização americana, onde Ivana posteriormente fez dois estágios, Drauzio soube da dificuldade em se trabalhar com plantas no Brasil. “Disseram-me que haviam desistido de estabelecer parcerias no Brasil, pois aqui as pesquisas com plantas seriam muito politizadas”, relata. Só quando começou a percorrer os corredores de Brasília atrás da licença para a pesquisa, que precisa ser renovada a cada ano, é que o médico se deu conta da gravidade do problema. “A burocracia é de matar”, reclama.

Herbário – Quem vê o médico navegando com sua equipe pelo rio Negro não consegue imaginá-lo, de terno e gravata, batendo à porta de gabinetes do cerrado. “Brasília é a pior parte do projeto”, diz. “Em compensação, a uma hora de barco de Manaus a mata parece estar como há centenas de anos.” No meio da floresta, na hora de localizar e classificar as plantas, a dupla infalível do grupo é formada pelo botânico Alexandre Adalardo de Oliveira e pelo mateiro Luiz Fernandes Coelho. Com doutorado pela USP em diversidade das árvores na Amazônia, o botânico de 35 anos também é curador do herbário da Unip e autor do livro Florestas do rio Negro, em parceria com Douglas Daly, do New York Botanical Garden. “No projeto, minha parte é fazer a identificação científica do material, que precisa ter uma coleção de referência”, conta o botânico. “Se surgir alguma dúvida sobre o material de um determinado extrato, a mostra do herbário resolve a questão.” O herbário que ele organiza já tem mais de cinco mil plantas. No laboratório, cujos equipamentos custaram cerca de US$ 100 mil, já foram produzidos 1.300 extratos. Com custo similar e financiamento da Fapesp, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o projeto acaba de ganhar um novo laboratório, de triagem de extratos ativos contra células tumorais. Pequena, mas combativa, a equipe de Drauzio vibra a cada nova conquista. Na última expedição, não encontrou a anonácea que tanto procurava, embora o GPS, instrumento de localização por satélite, indicasse com precisão o lugar onde uma amostra da planta havia sido coletada anteriormente. O problema é que o rio Negro estava pelo menos três metros acima do nível. Mês que vem, na nova expedição, eles tentam de novo.