Nas rampas de gelo da maior montanha do planeta, cada proeza é um marco. No registro das expedições, está lá: a mulher mais velha, o homem mais jovem, o primeiro cego a escalar o Monte Everest, topo da Cordilheira do Himalaia, entre o Nepal e o Tibet, com altura equivalente a quase 23 Pães de Açúcar empilhados. Com os pulmões preparados para entrar para a trilha da fama, os alpinistas paulistas Rodrigo Raineri, 32 anos, e Vitor Negrete, 34 anos, pretendem chegar ao cume do gigante em outubro sem o auxílio de oxigênio artificial. Serão 11 dias de caminhada da cidade de Lukla até a base da montanha, e 47 dias de subida pela face sul.

A aventura será realizada com apoio de ISTOÉ e, se tudo der certo, eles serão os primeiros brasileiros a realizar uma façanha restrita a 85 desportistas no mundo. Desde 1922, quando começou a ser explorado, 172 pessoas morreram no Everest. A cada sete que se aventuram, seis desistem da batalha contra as temperaturas de até 40 graus negativos, as avalanches de neve, a falta de ar, os cortes que não cicatrizam, as dores nos músculos, a tosse seca que chega a quebrar as costelas.

Sem garrafas de ar, Raineri e Negrete terão que lutar contra o próprio corpo. No pico da montanha, há apenas um terço do oxigênio presente no nível do mar. O organismo reage produzindo mais glóbulos vermelhos para levar mais oxigênio às células. O sangue engrossa e circula pelas veias com lentidão. Daí o risco de congelamento. Não é um estado prazeroso, mas os rapazes provaram que resistem. Em janeiro, escalaram a face sul do Aconcágua, na Argentina (leia quadro), sem oxigênio artificial. Nos três últimos dias da expedição, Raineri soltava placas de sangue pelo nariz. “O corpo precisa se aclimatar. Por isso escalamos em forma de serrote, subindo um pouco e descendo um pouco. Para evitar o choque térmico com o ar seco e frio, às vezes respiro com um pano no rosto”, ensina Raineri. “Você dá um passo, pára e respira quatro a cinco vezes antes de prosseguir. O desafio é conhecer os limites e ter autocontrole”, completa Negrete. Da aventura no Aconcágua, a dupla traz na memória a imagem imortalizada pelo gelo dos alpinistas brasileiros Othon Leonardos e Alexandre Oliveira, mortos em 1998 no paredão da morte. Ao se deparar com os corpos sentados e em perfeito estado, Raineri e Negrete choraram e rezaram. “O lugar era inóspito, perigoso, nem nós tínhamos noção”, recorda Raineri.

Por essas e outras, pergunte se as mamães da dupla destemida sabem da viagem para o Everest? “Se ela quiser saber, desconverso”, diz Negrete. A mãe de Raineri, Nanci, soube que o filho estava no Aconcágua quando ele lhe telefonou do acampamento base. “Ela ficou nervosa e eu disse: ‘Não vamos discutir isso pelo telefone, mãe!’”, conta. Medo da morte? “O risco é maior aqui embaixo do que lá em cima”, diz Negrete, que já escapou de dois tiros à queima-roupa em duas tentativas de assalto.

Além de todas as intempéries, eles terão pela frente um novo fenômeno no Himalaia. O aquecimento global está derretendo as geleiras e os lagos na montanha ameaçam transbordar. Para se proteger do frio, a dupla usará uma palmilha que aquece os pés através de uma bateria presa à bota. Currículo para encarar experiências extremas é o que não falta aos alpinistas. Dono de uma empresa de aventuras e de uma academia de escalada, Raineri guiou sete expedições ao Aconcágua e escalou outras quatro montanhas de mais de quatro mil metros de altitude. Negrete subiu três vezes o Aconcágua, escalou duas montanhas na Bolívia acima dos seis mil metros de altura e atravessou a selva amazônica de bicicleta. O Everest será a aventura mais cara. Incluindo a taxa de US$ 100 mil cobrada pelo governo nepalês, equipamentos, passagens e comida para uma equipe de apoio de oito pessoas, a empreitada sairá por US$ 296 mil e está aberta a patrocínios. Como parte do preparo físico, além de musculação, natação e bicicleta, eles viajarão à Bolívia para subir o monte Illimani, de 6.490 m, e dar um curso de escalada no gelo. Vida de aventureiro é assim, monótona.