O estranho cenário de coligações do País não se modificará com a decisão do Supremo Tribunal Federal de manter a verticalização das alianças políticas nas eleições de outubro. A nova regra decidida, na quinta-feira 18, por sete votos a quatro, mantém o jogo eleitoral embolado, embora haja um consenso de que o candidato do PSDB, José Serra, tenha sido o grande beneficiado. A dança dos partidos pela busca de apoios às candidaturas presidenciais e estaduais recomeça. No vale tudo, surgiram esquisitices ideológicas como os namoros entre PT e PL, PSB e PPB, PPS e PFL. Com a decisão, é provável que não saia nenhum desses casamentos. Serra agradece, mas terá que engolir outra esquisitice do cardápio político brasileiro: o voto camarão, aquele onde se corta a cabeça imposta por um acordo nacional para apoiar um nome fora da aliança formal entre os partidos. A disputa voltou a uma espécie de zero a zero, com cada lado avaliando suas perdas e se preparando para a nova fase da sedução.

Se Serra ganhou por um lado, o mais prejudicado com a unificação das alianças foi o ex-governador Anthony Garotinho (PSB). Na última semana, ele andou dizendo aos quatro ventos que aceitaria até o PPB de Paulo Maluf e trocou telefonemas com os pefelistas Roseana Sarney, Jorge Bornhausen, Antônio Carlos Magalhães e César Maia, o prefeito do Rio de Janeiro e seu arqui-rival no Estado. A batalha de Garotinho agora é para provar que pode continuar sendo um nome viável. Na última pesquisa Ibope ele aparece empatado tecnicamente com Serra: 17% a 18% da preferência. Se mantiver a posição, o ex-governador segue em frente. Caso contrário vai enfrentar uma grande pressão pela renúncia, já que o PSB, em muitos Estados, é um aliado natural do PT. Embora afirme que é candidato “com ou sem verticalização”, Garotinho teme ter algo em comum com Rosena: ser um ex-candidato. Nervoso, o ex-governador chegou a dizer que seria a “próxima vítima” e inventou os “petecanos”: segundo ele, a união entre petistas e tucanos “dá num animal que se alimenta de garotinhos”. Lula, que não perdeu nem ganhou, classificou a decisão de promiscuidade e alfinetou o ex-governador: “Acho o PSB mais sério que o seu candidato.”

A Frente Trabalhista formada entre PDT-PTB-PPS para sustentar a candidatura Ciro Gomes (PPS) também passou por maus bocados na última semana. A possibilidade, hoje remotíssima, de o PFL apoiar Ciro provocou um estrago. Os dirigentes dos três partidos se desentenderam publicamente sobre a aliança e, o que para o PFL era apenas um estratagema, para o presidente do PPS, Roberto Freire (PE), virou um pesadelo. O senador ameaçou não dar a legenda a Ciro, foi esvaziado pelos outros dois parceiros, mas no fim quem ameaça abandonar o trio é Leonel Brizola, presidente do PDT, que vetou a candidatura de Antônio Britto (PPS) ao governo gaúcho. Com a decisão do Supremo, Ciro perde a noiva pefelista. Com o seu pragmatismo usual, o partido de ACM e Bornhausen deve optar em não lançar candidato, liberando os diretórios estaduais para fechar alianças de acordo com seus interesses locais.

Mesmo Serra, que comemorou a decisão andou com os nervos à flor da pele. O tucano está atemorizado pelos movimentos que tentam ressuscitar um plano alternativo de retirar sua candidatura. O nervosismo começou com a primeira pesquisa do Ibope feita após a renúncia de Roseana Sarney, divulgada na segunda-feira 15. Ao contrário do que se imaginava, Serra, que está com 18%, não herdou os votos do PFL. Os beneficiados foram Lula, que subiu 11 pontos e tem agora 35%, Garotinho, que tem 17%, e Ciro, com 11%. Além das simulações que projetam a vitória do PT no segundo turno, o que acendeu a luz amarela na seara governista foi a contaminação de Serra pelo episódio da arapongagem. Na segunda-feira 15, Bornhausen ligou para aliados do ex-governador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e transmitiu o recado: “Tasso é o único nome capaz de unir o PFL.”

A estratégia dos pefelistas de trocar Serra por Tasso ou pelo presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), teve ainda outros lances com a participação de tucanos. Primeiro, o próprio Tasso encontrou-se com Bornhausen na terça-feira 16. No mesmo dia, ele jantou com FHC e conversou com o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP). Após estas conversas, Aníbal surpreendeu. Na quarta-feira 18, ele improvisou uma visita ao líder do PFL, deputado Inocêncio Oliveira (PE). Além de ouvir adjetivos ácidos contra Serra, a visita possibilitou a ampla publicidade da tese pefelista de trocar Serra por outro candidato do PSDB. “Vamos ser francos. Com Serra não dá. Vamos arrumar outro nome”, resumiu o deputado carlista Paulo Magalhães (PFL-BA). “É impossível trocarmos o candidato”, rebateu o presidente do
PSDB, reiterando que estava ali apenas fazendo um gesto
de reaproximação.

Guerra interna – Os protestos dos aliados não tardaram a ecoar. O PMDB reuniu a cúpula do partido e desaprovou o salamaleque protagonizado por Aníbal. “Isso precisa ter limite. Ao se priorizar o PFL, o assunto da substituição de Serra é colocado. É claro que vai minando o candidato”, argumentou o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL). A bronca do PMDB esconde a desconfiança de estar sendo passado para trás. A suspeita tem fundamento. O candidato tucano também se movimentou e, na segunda-feira 15, encontrou secretamente o governador do Piauí, Hugo Napoleão (PFL). Chegou a dizer que gostaria de ter Napoleão como vice, possibilidade inviável já que o governador não se desencompatibilizou. O PMDB soube da conversa e, com um olho no desempenho de Serra nas pesquisas e outro nos tucanos, está dividido. Cobrada a indicar o vice, parte da cúpula quer ganhar tempo. Os outros tentam assegurar a vaga. Na terça-feira 16, o presidente do partido, Michel Temer (SP), e o líder Geddel Vieira Lima (BA) levaram o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que defendem para vice de Serra, para uma conversa com João Roberto Marinho, o todo-poderoso das Organizações Globo. A busca da bênção global não agradou, até porque também se oferecem para vice a deputada Rita Camata (PMDB-ES),
o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) e o ex-prefeito de Joinville
Luis Henrique.

Os tucanos pró-Serra detectaram movimentos conspiratórios além do PFL. O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, como compensação pelo atraso da CPMF, foi criticado por deputados tucanos. Todo mundo sabe que aumentos de impostos, do preço da gasolina e da energia elétrica não rendem votos. Esta pauta pesada foi discutida em todas as rodas de políticos. O conhecido baixo-clero, uma massa quase anônima de deputados que têm ascendência nos Estados, engrossou os burburinhos pela substituição de Serra. A insegurança quanto à viabilidade do tucano contaminou vários deputados do PPB ao PSDB. “Ou tiramos o Serra do caminho ou vamos para um retrocesso. O Aécio (Neves, presidente da Câmara) me disse que já foi procurado por mais de 80 deputados com a mesma preocupação”, dispara o deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE). Um grupo de deputados tucanos já se prepara para provocar uma reunião da bancada e discutir o assunto. Entre eles estão Afonso Camargo (PR), Carlos Mosconi (MG) e Jovair Arantes (GO). “A insatisfação é grande. Muitos deputados não concordam com Serra. Posso até ser prejudicado por falar, mas não vou para o abatedouro calado”, reclama Arantes.

A batalha jurídica em torno das regras eleitorais expôs um racha na mais importante corte do País. Com receio da derrota no Supremo, governistas ligaram para sondar alguns ministros considerados indecisos. Na hora da votação, mais uma vez, o presidente do STF, Marco Aurélio Mello, e Nelson Jobim, que é presidente do TSE e foi deputado do PMDB e ministro da Justiça de FHC, trocaram farpas. Contra a verticalização, Marco Aurélio ironizou a formação acadêmica de Fernando Henrique, citado como defensor da novidade: “Esse não é um profissional do direito, é um sociólogo.” Jobim não se conteve e interrompeu o presidente para pedir o fim das ironias. Era a política partidária contaminando a corte.