Assim que os primeiros raios de sol começarem a dar o ar da graça no sábado 27, os frequentadores do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, vão ser surpreendidos por um acontecimento inusitado. Às 5h30 em ponto, um bando de pessoas irá se reunir sob a marquise vizinha ao Pavilhão da Bienal, tirar as roupas e deitar no chão, formando um grande tapete humano. A travessura coletiva não é nenhum protesto. Faz parte da perfomance-instalação Nude adrift, comandada pelo fotógrafo americano Spencer Tunick, que há alguns anos vem retratando multidões de pelados ao redor do mundo. O atual projeto foi iniciado há oito meses e já passou por mais de 30 cidades. Agora, chega ao Brasil como parte da programação da 25ª Bienal de São Paulo, que no mês passado promoveu outra reunião de despidos na performance que a italiana Vanessa Beecroft realizou com modelos usando apenas sandálias e perucas. De seu apartamento no Brooklyn, em Nova York, Tunick, 35 anos, falou a ISTOÉ. “Posar nu é maravilhoso e fazê-lo num espaço público é uma experiência única”, garante. Ao menos para ele, que fica vestido, deve ser mesmo. Antes de começar a entrevista, insistiu várias vezes para divulgar o e-mail pelo qual as pessoas podem se inscrever para o happening. Os interessados devem mandar uma mensagem ao endereço bienal.spencert@uol.com.br. O prêmio é uma foto do evento assinada pelo artista.

Até a semana passada, 150 exibidos já haviam se oferecido, entre eles o artista plástico carioca Ricardo Bezarre, 40 anos, morador da Ilha do Governador. “O trabalho dele é fantástico. Tunick faz natureza-viva”, elogia. Outro que se deixou seduzir pela oportunidade de ficar pelado é o comerciante paulistano Wanderley Rodrigues de Araújo, 35 anos. “Eu me identifico com o naturismo. Já fui a uma praia de nudismo e não tenho nenhum problema em ficar nu em público.” Mas a idéia do fotógrafo não é exatamente resgatar a inocência perdida do ser humano. Ao colocar milhares de pessoas deitadas sobre o asfalto ou alinhadas diante de construções de concreto, ele anula a individualidade do participante, tornando visível a opressão da escala urbana. “É uma maneira de criar uma massa de corpos com feições e tonalidades diferentes e chegar a uma abstração”, explica.

Preto-e-branco – Não são poucos, no entanto, os que acham mórbidas estas aglomerações nudistas, parecidas a massacres coletivos. O advogado Ney Wagner Ribeiro Filho, 22 anos, natural de Santos, se sentiu ligeiramente chocado ao ver as fotos de performances anteriores, como as realizadas em Montreal, Roma e Viena, no momento expostas na bienal. “É um nu sem sensualidade, as pessoas parecem mergulhadas num estado letárgico, sem grandes motivações.” Para afastar qualquer associação com campos de concentração, Tunick nunca fotografa em preto-e-branco. “É importante olhar para aqueles corpos e não esquecer que eles estão vivos. São pessoas que acordaram cedo, tomaram café. É uma experiência viva e deve ser vista como tal”, defende-se. Nem todo mundo, contudo, entende o recado da mesma forma. Há duas semanas, quando levou 450 argentinos a fazer strip-tease em frente ao Obelisco de Buenos Aires, a população achou que se tratava de uma exigência do FMI. Em Nova York, ele se tornou figurinha fácil da polícia. Foi parar cinco vezes na cadeia, processou a prefeitura e saiu vitorioso. Aqui, não corre este risco, já que a organização da bienal cuidou dos trâmites necessários para que a performance não seja considerada um
atentado ao pudor.

O trabalho de Tunick começou timidamente, apenas com um modelo. Mas a repercussão aconteceu imediatamente, e logo cresceram os interessados. Um belo dia reuniu todo o grupo diante do prédio da ONU, na Big Apple. Foi o impulso que faltava para tentativas mais ambiciosas. No ano passado, Tunick conseguiu atrair 2.500 voluntários diante do Museu de Arte Contemporânea de Montreal. “Depois desta experiência cheguei à conclusão de que não dava para trabalhar com um número maior. Eis que fui
a Melbourne e apareceram 4.500 pessoas.
Foi inacreditável.”

Viajando com um assistente e uma videomaker, Tunick leva aos locais apenas uma escada de alumínio, um megafone e as tralhas de fotógrafo. Como estranhamente não gosta de causar muita balbúrdia, procura ser rápido. Faz três ensaios e deixa os modelos nus só por alguns minutos. “Em geral, as pessoas ficam muito ansiosas. A energia é intensa. Elas gritam e riem muito.” Para agilizar o trabalho, pede que todos se vistam da forma mais simples possível. “Nada apertado. Tudo muito fácil de tirar. Mas não me venham com capas de chuva”, brinca. Antes de terminar a conversa, Spencer Tunick tentou convencer o repórter a fazer parte de sua multidão de pelados. “Te vejo no parque? Você deveria posar e depois escrever sobre a experiência.” O repórter declinou.