Transformar jornalismo em ficção ou fazer da ficção o melhor do jornalismo. Qualquer que tenha sido o objetivo do jornalista carioca Fernando Molica em seu livro de estréia, Notícias do Mirandão (Record, 222 págs., R$ 25), ele foi bem-sucedido. Molica conta a história mirabolante, mas absolutamente possível, de um grupo de marxistas que, desencantado com a democracia institucional, alia-se a um bando de traficantes para dar início a uma revolução socialista num morro carioca, o tal Mirandão. A idéia da aliança – que povoa o imaginário de esquerdistas e bandidos desde o contato entre perseguidos políticos e o submundo no presídio de Ilha Grande – ganha uma dimensão tão real que chega a assumir ares de reportagem.

As regras e dogmas da Conexão Revolucionária, o grupo liderado por Pillar Buccarini, assessor de um parlamentar de esquerda, resgata táticas dos jovens brasileiros que sonharam derrubar a ditadura militar dando meia dúzia de tiros nas ruas. É literalmente explosivo o acordo desta turma com o traficante Charles Marra. No bom estilo da sensacional realidade carioca, o comandante Marra manda derreter dois companheiros desastrados num “microondas”, na verdade um crematório formado por uma pilha de pneus. Ao forçar o casamento do crime com a insurreição, Molica gera uma cruel mas divertida crônica de costumes da Cidade Maravilhosa e seus territórios sem lei. O inconformismo contagiante dos anti-heróis marxistas, o ritmo ágil que alterna, em curtos e frenéticos capítulos, cenas do morro desgovernado com o asfalto alienado e a imaginação sem censura do autor fazem de Notícias do Mirandão uma leitura excitante. Quem conhece o Rio de Janeiro e as complexas relações da favela com as ruas vai transitar com apreensão e romantismo. Para quem não conhece, Notícias do Mirandão pode bem ser classificado como uma reportagem do futuro.