Em 33 anos de carreira, o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello se acostumou a enfrentar enormes desafios. Doutor em filosofia e ciências humanas pela Sorbonne, ele trabalhou pela ONU em plagas tão diversas e agitadas como o Paquistão, Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru e Líbano. Mais recentemente, como alto funcionário da ONU, ele esteve em missões em áreas violentamente conflagradas como o Camboja, a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo. Em novembro de 1999, Vieira
de Mello desembarcava no Timor Leste, uma ex-colônia portuguesa transformada em terra arrasada pelo Exército da Indonésia, que resistia a abandonar 24 anos de violenta ocupação rejeitada majoritariamente em plebiscito. Em nome das Nações Unidas, ele deveria administrar um país devastado, calcinado, onde parecia ter caído uma bomba atômica, e com mais de 200 mil refugiados. Não havia leis, instituições, polícia, tribunais, hospitais, escolas, absolutamente nada. Quando Vieira de Mello deixou o cargo, no dia 21 de maio deste ano, o Timor Leste era uma nação soberana, com instituições democráticas em pleno funcionamento e a imensa maioria dos refugiados de volta. Foi a primeira vez que a ONU teve poderes totais sobre um território. Em outubro do ano passado, as Nações Unidas e o secretário-geral, Kofi Annan, receberam o Prêmio Nobel da Paz, em grande parte pelo trabalho desenvolvido no Timor. Na segunda-feira 22, Kofi Annan nomeou o amigo Sérgio Vieira de Mello para um cargo não menos espinhoso: a chefia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em substituição à ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson.

“O cargo é sensível”, admitiu a ISTOÉ o diplomata brasileiro. Afinal, não foi por acaso que Mary Robinson entrou em choque com as principais potências globais – EUA, Rússia e China – e acabou tendo que deixar o cargo. “Mas eu tenho mais de três décadas de trabalho na ONU e já provei minha independência”, afirma. “Sei que vou sofrer pressões e críticas, mas já provei em outras situações que sou capaz de enfrentar desafios”, garante Vieira de Mello. E é principalmente na experiência do Timor Leste que o experimentado diplomata se baseia para desempenhar as novas funções. “Fui incumbido de uma tarefa, mas não me deram um manual de instruções. Tivemos que aprender à medida que avançamos, descobrindo aos poucos, às vezes improvisando”, admite.

Informalidade – O estilo aberto e informal do brasileiro acabou deixando marcas na transição do Timor. Durante mais de um ano, ele morou no Hotel Resende, bastante rudimentar, com azulejos quebrados, paredes descascadas e sem água quente. A casa reservada para o administrador transitório tinha amplas varandas de frente para o mar, mas Vieira de Mello cedeu a casa para os funcionários da Untaet, que a transformaram em sede do clube. No seu escritório, no Palácio do Governador, o diplomata pendurava nas paredes a coleção de thais – tecido feito à mão em tear, com as cores típicas de cada região, que é passado no pescoço do homenageado em sinal de boas-vindas.

Apesar dos desafios, Vieira de Mello acredita que dificilmente poderá repetir a experiência no Timor. “Certamente não será tão exultante como foram as funções no Timor. E é bom que seja assim. Espero que não haja mais muitos Timor Leste pela frente!”, diz. O futuro chefe do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos acredita que a mudança da fornalha úmida de Díli, capital timorense, para a fria Genebra, na Suíça, não mudará seu estilo de vida. “Genebra é apenas um endereço e sei que não será de lá que iremos enfrentar os problemas enormes que teremos pela frente. Para tentar resolvê-los, é preciso correr o mundo. Vamos procurar buscar na fonte as soluções particulares para cada local. Com a globalização, aumentaram os problemas dos direitos humanos e será preciso visitar os países afetados.” Resta saber se o estilo Sérgio Vieira de Mello vai funcionar tão bem como no Timor.