Entre os inícios das décadas de 60 e 70, a gravadora americana Motown mantinha sob seu chicote aveludado todos aqueles que se transformaram nos maiores artistas negros de então. Criada pelo ex-boxeador e compositor Berry Gordy, a Motown era uma fábrica de sucessos. O nome, sabe-se, veio de Motor Town, como ficou conhecida Detroit, cidade dos Estados Unidos onde está sediada a indústria automobilística. Seguindo a mesma linha de montagem, só que artística, Gordy exigia de seus contratados dedicação única para torná-los estrelas. Claro que ele contava com o talento nato de gente como Stevie Wonder, Marvin Gaye, The Jackson 5 ou Gladys Knight, entre outras muitas vozes históricas da soul music. Pois foi com nomes deste porte que a carioca Sandra de Sá montou o repertório de seu 14º disco de carreira, Pare, olhe, escute, faixa-título e versão da canção Stop, look, listen (to your heart), internacionalmente conhecida no dueto de Diana Ross com Marvin Gaye, que no CD ganhou a participação nada afetada de Ed Motta – uma bela voz normalmente mais a serviço do ego do que da música.

Se, em vez do subúrbio carioca de Pilares, a cantora de 46 anos tivesse nascido em Detroit, é bem capaz que agora a situação ganhasse outros contornos, com algum intérprete regravando músicas de seu repertório. Sandra de Sá inscreve-se entre as melhores vozes brasileiras. Principalmente, quando ela sabe selecionar o repertório de seus trabalhos, a exemplo do ótimo álbum A lua sabe quem eu sou, de 1997, ou até mesmo da releitura de canções irregulares de Tim Maia no CD Eu sempre fui sincero, você sabe muito bem, de 1998. Assim como Fafá de Belém, quando Sandra quer fugir do popularesco encontra a trilha certa. Todas as músicas de Pare, olhe, escute parecem ter sido vestidas em português só para ela. Sem dúvida, uma questão de sensibilidade, e não apenas da cor da pele. Basta ouvir Eu e você, que contou com a participação luxuosa de Smokey Robinson, autor e cantor da canção original Crusin’. A versão é da própria Sandra em parceria com Carlos Rennó, que quis e conseguiu manter o clima “flutuante” da canção.

Na sequência, Sandra dá um show com seu músculo vocal em Tantos sinais. Em A paz (que seus olhos têm) – no original My girl, sucesso dos Temptations –, relembra com fidelidade aquele som tão peculiar dos anos 60. “É a mais Motown, da fase terninho e passinho de dança”, diz ela. Nada mais, versão de Ronaldo Bastos para Lately, gravada por Stevie Wonder e conhecidíssima no Brasil na voz de Gal Costa, ganhou tom mais negróide, acrescentado pela interpretação romantizada de Djavan em participação especial. Mas divertido mesmo é imaginar a intérprete levantando uma festa ao cantar Fuzuê do bom, com um apimentado tempero brasileiro que fez a música ganhar um balanço extra em comparação ao original de Marvin Gaye, Got to give it up. Pena que ela não tenha selecionado mais agitos. Mas só pelas baladas fica evidente que Sandra de Sá soube traduzir para o português o real significado da tal música da alma.