Lula e Ciro Gomes já não são mais os únicos grandes culpados pelo fato de o dólar ter batido nos R$ 3,02 (o recorde da história do real desde 1994, quando foi implantado) e a Bolsa manter o ritmo de queda. Pelo menos por enquanto. Enfim, o agravamento dos indicadores internacionais fez o governo mudar sua avaliação a respeito da crise no mercado brasileiro. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que atribuía à sucessão presidencial o maior peso ao examinar as causas da disparada do dólar e derrocada das Bolsas, admitiu: “A situação externa piorou bastante nos últimos dias e diria que hoje tem o mesmo peso que o da sucessão”. Admitiu mais: o cenário mundial adverso pode fazer com que este governo busque um novo apoio financeiro internacional, ou seja, o FMI.

O desenho do acordo inclui um programa curto, com duração de seis a 12 meses, e um volume de recursos suficiente para atender compromissos externos que vencem neste e no início do próximo ano, quando um novo presidente já terá assumido o posto. Na avaliação do Planalto, a piora no cenário econômico obriga o governo a se apressar e fechar um acordo com o FMI até setembro, antes das eleições. “Vejo uma conjuntura adversa. Se essa situação não melhorar rapidamente, nós precisaremos agir”, admitiu Fraga na quarta-feira 24, em entrevista à imprensa. Por “rapidamente”, no caso, entenda-se “semanas”, segundo o próprio presidente do BC. “O problema está focado nas dificuldades de rolagem de empréstimos e colocação de bônus por parte das empresas.” Tudo isso quer dizer que falta crédito. O FMI, ele diz, apóia. “Das conversas que tive, olho no olho, com a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, percebe-se que é apenas uma questão operacional. A questão é tomarmos a iniciativa de iniciar o processo.”

O valor a ser retirado está indefinido, mas, segundo integrantes
da equipe econômica, não chegará aos US$ 20 bilhões que o mercado tem calculado, considerado um exagero. Acordos mais curtos sempre implicam desembolsos menores. Mas é praticamente certo que o País inclua a redução para US$ 10 bilhões do piso das reservas cambiais, liberando assim US$ 5 bilhões a mais para atender a demanda por
dólares. O BC estuda alternativas para enfrentar a disparada das cotações, como, por exemplo, elevar a “ração” de moeda estrangeira oferecida ao mercado. “Ração” são as intervenções do Banco Central no mercado para frear a escalada do dólar, venda diária de US$ 50 milhões no mercado até o final do mês. O apelido parece adequado, o volume impressiona, mas não tem funcionado.

Difícil será convencer os candidatos à sucessão de Fernando Henrique Cardoso a começar um governo sob as ordens do FMI. O argumento que Fraga vem apresentando a eles na defesa do acordo com o Fundo é o seguinte: “O acesso a recursos do FMI traz grandes benefícios, faz com que a economia consiga amortecer o choque, impondo um custo menor à sociedade.” Em sua recente passagem pelo Brasil, a economista Anne Krueger, segunda na hierarquia do Fundo, deixou claro que na vida real nem tudo é tão cor-de-rosa assim. De cara amarrada, ela disse que ainda falta informação a respeito do que pretendem os candidatos. “Parece haver algumas inconsistências no que dizem, embora isso seja normal no processo sucessório”, observou a fera Krueger na terça-feira 23, após encontros com o presidente FHC e o ministro Pedro Malan, em Brasília. “O mercado parece estar ansioso sobre a política econômica a ser adotada a partir de 2003”, disse, acrescentando que o Fundo “está pronto para conversar com o governo que for eleito”, desde que seja uma administração comprometida com a estabilidade macroeconômica. O “desde que” do FMI não costuma ser uma condição. É sempre uma ameaça. Que o diga a Argentina.

Colaborou Célia Chaim

Cadeia neles! 

Sobrou para John Rigas, 77 anos, fundador e ex-presidente executivo da operadora de cabo Adelphia Communications Corp, preso na terça-feira 23, junto com dois de seus filhos e mais dois altos executivos, acusados de desviar mais de US$ 1 bilhão da empresa. A mudança de ânimo dos investidores foi imediata: no dia seguinte, o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 6,35%, maior ganho porcentual desde 1987. A Nasdaq encerrou o pregão em alta de 4,96%. A euforia durou pouco: já na quinta-feira, os pregões passaram o dia com forte baixa (o Dow Jones fechou com queda de 0,06%). Mas valeu para lavar a alma dos investidores. Warren Buffett, executivo-chefe do Berkshire Hathaway, considerado o maior investidor de ações (e um dos homens mais ricos) do mundo, com certeza comemorou. Em artigo no The New York Times, ele esculhambou os presidentes das companhias: “Eles não são dignos da confiança dos investidores executivos.”

O cheiro de 1929 no ar se acentuou com o anúncio feito pela subcomissão de investigações do Senado americano de que bancos americanos possivelmente compactuavam com as práticas contábeis fraudulentas da Enron, a gigante do setor de energia que faliu depois da revelação de um enorme escândalo contábil. Citibank e J.P. Morgan, os dois maiores bancos do país, ajudaram a Enron a maquiar suas dívidas por meio de um complicado esquema financeiro que passava pelas ilhas Cayman. Detalhe: o J.P. Morgan é a instituição que, do alto de sua credibilidade duvidosa, avalia os riscos dos países, incluindo o Brasil.