que parecia ser uma espécie de presente para os brasileiros está virando um grande pesadelo. Milhões de trabalhadores, em todo o Brasil, têm se aglomerado diariamente em gigantescas filas em frente às agências da Caixa Econômica Federal. Todos em busca de algo que lhes é garantido por direito – a correção de perdas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) provocadas pelos planos econômicos Verão (janeiro de 1989) e Collor I (março de 1990).

O calvário vivido por esses brasileiros – ao todo, são 38 milhões de pessoas com direito ao complemento – não se resume às enormes filas, daquelas que começam a se formar na noite do dia anterior e dão a volta no quarteirão. Superar a intrincada burocracia, que nem todos os funcionários da instituição conseguem entender e explicar, é tarefa tão árdua quanto dormir na calçada. Por causa disso, muitos vão e voltam várias vezes à Caixa (há registros de gente que já está na décima visita) sem ver a cor dos reais a receber. Alguns trabalhadores têm pouco mais de R$ 10 de crédito, que acabam sendo consumidos na condução.

“Parece que fazem isso pra gente desistir de receber”, diz o aposentado Severino Raimundo da Silva, 62 anos, que já esteve na agência da Caixa da Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de São Paulo, por três vezes. Até agora, ele só conseguiu receber o valor de uma das duas contas a que tem direito, equivalente a R$ 340. O dinheiro referente à outra conta – que ele calcula em R$ 24 mil –, dos tempos em que trabalhava na Eletropaulo, ainda é uma incógnita. “É uma vergonha. Depois de três vezes, mandaram eu voltar daqui a 45 dias”, diz Silva.

Outra inconformada com a burocracia é a doméstica aposentada Orlinda Maria Chaves, 66 anos, que esperava na fila da mesma agência para sacar R$ 38. “Se o dinheiro é da gente, por que tanta confusão?”, questiona, com toda razão. Orlinda já foi à Caixa três vezes, mas em todas voltou de mãos abanando. Os R$ 38 já têm destino certo. “Pelo menos vai dar para pagar uma conta de água”, conforma-se a doméstica.

Esse dinheiro não vai mudar a
vida de Orlinda. Mas, ao menos,
deve ajudar a dar uma leve recuperada na economia. Ao todo,
R$ 9 bilhões devem ser sacados pelos trabalhadores até o final do ano – se todos conseguirem superar a maratona de obstáculos, é claro.

Rescisão – A indignação é uma unanimidade entre as pessoas que encaram as filas de qualquer agência ou posto de atendimento da Caixa. As agências não estão preparadas para atender aos cerca de 38 milhões de pessoas que têm direito ao complemento do FGTS. Além disso, algumas exigências são quase impossíveis de cumprir, como a apresentação da rescisão de contrato de trabalho de até dez anos atrás. Muita gente perdeu esse documento ou simplesmente não guardou porque pensava que nunca iria precisar. Outro ponto confuso são as datas programadas para pagamento. A falta de documentação é um problema crônico, especialmente entre os mais humildes. “Muita gente que vem aqui perdeu tudo, inclusive a documentação, em casos de enchente ou em desocupações”, diz um funcionário do atendimento da Caixa.

A confusão é tanta que o
governo editou, na semana retrasada, uma Medida Provisória (MP) para simplificar os saques para quem tem a receber até R$ 100. Com essa canetada, cerca de 34 milhões de pessoas poderão retirar seus saldos apresentando somente a carteira de identidade e o número do PIS em qualquer agência da Caixa. Mas isso só começa a valer a partir do dia 10 de agosto.

“A MP resolveu um problema sério, já que boa parte das pessoas com direito ao saque não estava conseguindo retirar o dinheiro”, afirma Luciano Fazio, técnico do Dieese, que está acompanhando toda a confusão. Fazio tem uma estimativa que dá conta do tamanho do problema: a cada dez pessoas que vão à Caixa, apenas duas conseguem sacar. Ainda segundo o técnico do Dieese, a falta de um órgão específico que defenda os beneficiários do FGTS complica a situação. “O ônus da prova é do contribuinte. É um absurdo”, diz Fazio.

Avalanche – A direção da Caixa, embora reconheça alguns problemas, se defende. “Todo o processo de pagamento do expurgo do FGTS corresponde a dois anos e meio de atendimento normal”, diz Joaquim Lima, superintendente nacional de Fundo de Garantia do banco.

Segundo ele, o gigantismo dos números explica a dificuldade em atender tanta gente ao mesmo tempo. Mas ele garante que a Caixa investiu cerca de R$ 260 milhões em treinamento de funcionários, compra de equipamentos e criação de postos de atendimento. “Somando tudo, são 13 mil pontos de pagamento, 70 postos de atendimento e 20 mil pessoas envolvidas no pagamento dos expurgos do FGTS”, diz Lima. Parece pouco perante a avalanche de reclamações.

“ Um guia para enfrentar a via – crúcis ”

Quem tem direito à correção do saldo do FGTS?
Quem trabalhava na iniciativa privada e tinha conta do FGTS (ativa ou inativa) em dezembrode 1988 e/ou abril de 1990.

Qual é a correção do saldo determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)?
A correção é de 16,65% sobre o saldo existente em dezembro de 1988 e de 44,8% sobre o valor da conta em abril de 1990.

Quem pediu demissão e, por conta disso, não sacou o FGTS na época tem direito à correção?
Sim. Mas os saques só podem ser realizados por quem já adquiriu o direito de realizar saques em algum momento (na ocasião da aposentadoria, por exemplo). A regra vale mesmo para quem já retirou todo o dinheiro do fundo (para compra da casa própria, por exemplo). Para quem nunca sacou o fundo, o crédito complementar entra na conta, mas não pode ser sacado.

Como receber fora do acordo?
São duas possibilidades: ingressar na Justiça contra a Caixa Econômica Federal ou aderir ao acordo. Pela via judicial, o processo pode levar anos, mas a correção é paga integralmente e de uma vez só. Assinando o acordo, ou seja, a adesão, há perdas em relação aos porcentuais determinados pelo STF e o valor pode ser parcelado em até quatro anos. Além disso, quem assina o termo de adesão ao acordo abre mão de qualquer processo na Justiça.

É possível autorizar alguém a receber?
Não, apenas o titular pode retirar o saldo. A exceção são os casos de doença grave, depois de perícia técnica.

Os aposentados têm algum tratamento especial?
Sim, até 65 anos, a correção é paga em uma parcela apenas, desde que o crédito seja de, no máximo, R$ 2.000,00. O aposentado com mais de 70 anos recebe imediatamente qualquer valor, assim como vítimas de invalidez e doenças graves de qualquer idade.

Como faço para saber o saldo e extrato da conta?
Quem não recebeu o extrato da Caixa deve procurar o banco em que os depósitos eram feitos na época (a Caixa centralizou as contas em1993). Se o banco não existe mais, procure a Caixa.
Ainda é possível ingressar com a ação judicial?
Sim, desde que o termo de adesão não tenha sido assinado.

O que fazer quando o titular da conta morreu?
Os dependentes registrados na Previdência herdam o crédito. Na ausência de dependentes, seus sucessores previstos em lei devem apresentar alvará judicial.

É possível utilizar o valor do complemento para amortizar ou quitar financiamento da casa própria?
Sim.

Qual é o prazo final para assinar o termo de adesão?
30 de dezembro de 2003.

Como calcular o valor a receber?
É possível fazer uma estimativa utilizando o site do Dieese (www.dieese.org.br)

Como saber se o valor informado pela Caixa está correto?
É preciso comparar o extrato recebido com um fornecido pela instituição em que o dinheiro era depositado na época. Com o antigo extrato na mão, é preciso multiplicar o saldo de dezembro de 1988 por 0,0012953 ou o saldo de abril de 1990 por 0,0202238. Se o valor for discrepante com a informação da Caixa, reclame na própria Caixa.

Qual é a remuneração do saldo enquanto o saque não é realizado?
O reajuste é equivalente ao das contas do FGTS. Ou seja, 3% ao ano mais a atualização monetária.

Quais são os documentos necessários para solicitar o saldo?
Carteira de trabalho, número do PIS e número do FGTS do empregador.

O termo de rescisão de contrato é necessário?
É, desde que a Caixa não tenha detectado o rompimento do contrato de trabalho. Para saber sua situação, basta verificar o campo “trabalhador com direito ao saque?” do extrato fornecido pela Caixa. Os que constam “não identificado” terão de apresentar a rescisão. Quem não tiver, deve contactar o antigo empregador para obter cópia.

Onde obter mais informações?
No Disque-Caixa, pelo 4196 6601, em SP, e 0800-550101 para o resto do Brasil. O site www.fgtsfacil.org.br, criado por uma ONG, também traz muitas informações.