Os números são alarmantes. Para cada dois pares de tênis das marcas Nike e Mizuno à venda nas lojas nacionais, um é falso; um terço dos cigarros tragados no País é contrabandeado; as confecções produzem meio milhão de peças de roupa falsificadas ao mês; de cada 100 programas de computador vendidos, metade é copiada ilegalmente e custa a partir de R$ 5, o que desencadeia perdas anuais de R$ 915 milhões às empresas fabricantes. A indústria da pirataria vai de vento em popa no Brasil. Passa ao largo de qualquer crise econômica e movimenta 5% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de R$ 50 bilhões ao ano. São roupas, tênis, relógios e óculos de grifes famosas, brinquedos, CDs de música, cigarros e bebidas, lâmpadas, pilhas, peças de carro, combustível, ferramentas, programas e jogos de computador, fitas de vídeo, remédios e até preservativos.

Para encontrar essa variedade de produtos basta andar pelas principais ruas do centro de qualquer cidade brasileira. São verdadeiros arremedos de shopping centers a céu aberto ou galerias comerciais abastecidas por uma rede de distribuição de causar inveja a qualquer grande empresa do mundo globalizado. Quem compra é atraído pelo preço, que em geral não passa de 10% do valor do produto original. Para quem vende, é lucro certo. Nessa luta sem fim, não há campanha que convença o consumidor a levar para casa uma peça autêntica se ele pode comprar algo parecido por um quinto do preço.

Especialistas no combate à pirataria calculam que pelo menos três em cada lote de cinco mercadorias ilegais comercializadas no País são trazidas da China, Cingapura, Coréia e Malásia, causando um rombo equivalente a nove meses na arrecadação de impostos dos governos estaduais e federal. O restante dos produtos é feito aqui mesmo, em fabriquetas de fundo de quintal ou em pequenos laboratórios comandados por uma rede de falsificadores ligada ao crime organizado.

Perto do fim – É o caso de produtos consagrados como CDs de músicas sertanejas, uniformes de times de futebol, programas de computador, roupas e perfumes, os itens preferidos dos piratas. O comércio ilegal é responsável por metade dos CDs vendidos no País, segundo a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos, e só perde para a China, onde a falsificação chega a 90%. No ano passado, o prejuízo para o setor musical brasileiro foi de R$ 705 milhões. A continuar nesses níveis, em pouco tempo a indústria de CDs vai acabar, a exemplo do que aconteceu com as fitas cassete. Hoje, o Brasil é o único país onde a produção legal de fitas cassete desapareceu devido à pirataria.

Os empreendedores da marginalidade são ágeis, criativos e têm apurado senso de oportunidade. Montaram um esquema de gala para o último Grande Prêmio de Fórmula 1 no Brasil, no final de março. Uma multidão de camelôs vendia nas imediações do Autódromo de Interlagos, em São Paulo, tudo o que a imaginação pudesse inventar para a marca Ferrari. Alertada pelos funcionários da escuderia italiana, a polícia paulista apreendeu mais de 6 mil produtos (bonés, camisetas, bandeiras, almofadas…) com o símbolo da marca italiana. Nem campanhas beneficentes são respeitadas. A camiseta da campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda” tem milhares de versões falsificadas. Resultado: o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, que recebe R$ 6,50 por peça legítima vendida a R$ 25, calcula que deixou de arrecadar mais de R$ 500 mil nos últimos três anos por conta dos falsários.

Pressão – O mercado da falsificação tem dimensões tão gigantescas que entrou num relatório do governo americano, divulgado no mês passado, sobre as barreiras brasileiras para produtos importados. No documento, as empresas americanas alegam que perdem US$ 900 milhões anuais (mais de R$ 2 bilhões) com a pirataria de vídeos, CDs musicais e softwares para computador. As multinacionais americanas também resolveram se mexer. Selaram uma parceria com companhias brasileiras para lançar uma campanha publicitária contra a pirataria e, através do Consulado dos Estados Unidos, estão trazendo ao Brasil três policiais da alfândega americana e um advogado do Departamento de Justiça para treinar agentes das polícias Federal, Militar e Civil.

Na semana passada, numa tentativa de demonstrar preocupação e vontade para reprimir a pirataria, a Receita Federal começou a destruir as quase 680 toneladas de produtos falsificados, avaliadas em R$ 19,8 milhões, e apreendidas desde maio do ano passado por fiscais da Alfândega do Porto de Santos. A operação de destruição de brinquedos, isqueiros, mochilas, tênis e jogos eletrônicos deve durar dois meses e foi classificada pelo secretário da Receita, Everardo Maciel, como uma das maiores do mundo. Maciel pediu aos técnicos que documentassem o trabalho para posterior envio ao Guinness book, o livro dos recordes. “O Brasil é um centro consumidor, e não produtor de mercadoria pirata. É um equívoco olhar para o sintoma, e não para a raiz do problema”, aponta o xerife da Receita.

Apesar do esforço das autoridades na repressão aos falsificadores, representantes das multinacionais reclamam que a polícia não está equipada nem preparada para combater esse tipo de crime, como diz Manoel dos Santos, do departamento jurídico da Abes, associação que reúne as principais empresas de software no País, entre elas Microsoft e Adobe. Nas mais de 400 ações realizadas no ano passado para coibir a venda de programas piratas em São Paulo, o custo das operações foi pago pela entidade. “Bancamos o apoio aos policiais e o transporte da mercadoria apreendida”, conta Santos.

O delegado Paulo Fleury, titular da recém-criada Delegacia Especializada no Combate ao Crime Contra a Propriedade Imaterial, reconhece a falta de estrutura policial, mas argumenta que sua equipe trabalha no mapeamento dos principais pontos de pirataria de São Paulo, com operações diárias para reprimir os falsários. Segundo ele, a maior parte dos produtos vendidos em camelôs é produzida em pequenas fábricas ou cruza a fronteira ilegalmente pelo Paraguai. Um porcentual menor é fruto de quadrilhas de roubo de carga. Em todos os casos, diz ele, há fortes indícios da participação ativa do crime organizado. “É um mercado muito bem organizado que pode ter facções criminosas envolvidas”, desconfia o promotor José Carlos Blat, um dos mais experientes profissionais no combate ao crime organizado do Ministério Público de São Paulo. “A falsificação é um braço do crime organizado”, acusa Mauro Braga, diretor jurídico da Abravest, associação que reúne as fabricantes de vestuário e amarga perdas de R$ 300 milhões com as falsificações.

Tóxico – Enquanto a polícia engatinha no combate aos falsificadores, fábricas chinesas patrocinam viagens de compradores brasileiros para visitar as feiras de produtos ilegais na China. Lá, eles escolhem os produtos que desejam comprar e recebem toda a mercadoria no Brasil. Muitas vezes são produtos que podem causar danos irreparáveis à saúde de quem compra, como os remédios falsificados e uma boa parte dos brinquedos, fabricados com materiais tóxicos. Tanto que a subsidiária brasileira da Mattel, uma das maiores fabricantes mundiais de brinquedos, deixa de doar as versões piratas de seus produtos apreendidos – a boneca Barbie e o herói de plástico Max Steel – porque eles utilizam metais pesados como chumbo e cádmio em seu processo fabril. “Nesse mercado paralelo não há limites”, diz Márcio Gonçalves, advogado especializado em propriedade intelectual e membro da Associação Brasileira de Licenciamento.

Até hoje, a Justiça brasileira condenou apenas oito pessoas, entre elas cinco chineses, por violação de direito autoral e formação de quadrilha. Todos foram detidos em junho de 2000, em São Bernardo do Campo, em São Paulo, numa operação que fechou uma fábrica com capacidade para gravar três milhões de CDs ao ano. O líder da quadrilha, o chinês Han Hai Chao, foi condenado a seis anos e oito meses de prisão. Inútil dizer que sua aposentadoria forçada não deve representar nenhum tipo de trégua para a indústria da ilegalidade.