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ATLAS
Marcha da Cúpula dos Povos pelas ruas do Rio, em defesa do futuro do planeta

Uma semana de Rio+20, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), encerrada na sexta-feira 22, no Rio de Janeiro, serviu para sacramentar documentos de cooperação mútua – que ninguém sabe se serão cumpridos – e uma certeza: os chamados liderados, os cidadãos comuns, os empresários e governantes locais, agora são seguidos por quem deveria liderar, os chefes de Estado, no compromisso de preservar o planeta. Enquanto presidentes e membros da realeza atraíam flashes na capital, os espaços da Rio+20 foram ocupados por projetos da iniciativa privada, como companhias que reduzem suas contribuições para a poluição do ar, colocam metas duras de reciclagem e economia de energia. Ou de prefeitos que, organizados em rede, anunciaram metas efetivas de redução na emissão de gases que provocam o efeito estufa. Houve ainda espaço para organizações civis que defenderam maneiras efetivas de apoio à inclusão social.

O documento final da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente recebeu críticas e elogios. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chegou a se contradizer. Na quarta-feira 20, disse que o texto ficou abaixo das expectativas. No dia seguinte, elogiou o resultado ambicioso do evento. “A era em que cada chefe de Estado pensava apenas em seu próprio país já se acabou. Nosso mundo está interconectado e nossos líderes precisam pensar como cidadãos globais”, disse ele, convocando governos, empresas, agricultores, cientistas, sociedade civil e consumidores a participar do desafio de preservar o planeta para gerações futuras.

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A VEZ DO POVO
A Rio+20 foi palco de manifestações como a marcha à ré, contra o Código Florestal

Problemão a ser resolvido entre os grandes líderes, a troca de tecnologia e ideias já é corriqueira entre prefeitos. “A omissão dos governos nacionais abre espaço para as prefeituras aparecerem na vanguarda”, diz João Fortunatti, prefeito de Porto Alegre, que terá 80% do esgoto sanitário tratado até o fim de 2013. O carioca Eduardo Paes dá exemplos concretos disso: “O Rio criou o BRT (transporte rápido por ônibus, na sigla em inglês) inspirado em Curitiba. Nova York e Rio aplicam sistemas criados em Paris.” No comando de uma cidade “que nunca dorme”, Nova York, Michael Bloomberg diz que é na prefeitura que os problemas críticos de uma cidade desabam em primeiro lugar. “Não há um jeito republicano ou democrata de recolher o lixo. Simplesmente temos que fazer o trabalho”, diz ele. E da maneira mais sustentável, limpa e reciclável possível, dizem em coro os integrantes do C-40. “Os prefeitos têm feito sua parte, os governos federais, não”, arremata.

O C-40, um grupo que reúne 59 das maiores cidades do mundo – que concentram mais de 500 milhões de pessoas – se comprometeu a reduzir em 44% as emissões de poluentes da atmosfera até 2030. Ao otimizar os transportes, o manejo do lixo e a gestão dos edifícios, as prefeituras podem ajudar, e muito, a evitar a desertificação e o aquecimento global, a miséria e a degradação dos mares. Pequenas ações, resultados enormes. Por conta disso, o grupo Mayors for Peace (Prefeitos pela Paz) se animou a apresentar uma proposta ousada: que sejam reservados 10% dos gastos com armas para subsidiar ações locais, a partir do ano que vem.

Fora do poder público e cientes de que o crescimento econômico não sustentável traz desastrosos efeitos colaterais, algumas empresas reveem suas estratégias para tornar possível a própria sobrevivência. A principal matéria-prima da indústria de bebidas é a água. E lideranças do setor lutam para preservá-la. A Coca-Cola Brasil se engajou em projetos de replantio de árvores, recuperação de rios, etc. A meta é reduzir em 21% o gasto de água por litro de bebida. A Ambev desenvolveu programa parecido e hoje utiliza 33% menos líquido para produzir a mesma quantidade de cervejas e refrigerantes que engarrafava há dez anos. “Já sentimos o problema da falta de água. Nossa fábrica em Jaguariúna, no interior de São Paulo, não tem mais como captar água”, lamenta Ricardo Rolim, diretor de relações socioambientais da Ambev.

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"Quase 100% do lucro da nossa companhia aérea vai para
a pesquisa de biocombustíveis, que podem vir do Brasil"

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Uma iniciativa elogiada pela ONU no Brasil é a do fabricante de cosméticos Natura, que apoia 26 comunidades de fornecedores na região Norte do País. Sem destruir a floresta, fornecem matéria-prima para as fábricas. “Muitas empresas acham que a sustentabilidade é algo que só gera custos adicionais, o que não é verdade”, defende Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da empresa. A gigante da tecnologia Microsoft também envolveu sua cadeia de colaboradores para tentar reduzir e compensar as emissões de gases do efeito estufa. Segundo Josh Henretig, diretor de sustentabilidade ambiental da companhia, as 650 mil pessoas que trabalham no desenvolvimento de softwares para a empresa estão envolvidas nas metas de redução do consumo de energia pelos computadores. De acordo com ele, suas centrais de processamento gastam hoje 50% menos energia do que há dois anos. “Sabemos que o único jeito de atingir nossos objetivos é criando parcerias com nosso público.”

Se dependessem apenas de investimentos governamentais, algumas tecnologias já implantadas ainda engatinhariam. Nas mãos de alguns empresários, não só evoluem como começam a baratear. Empreendedores pioneiros na produção de energia solar e eólica hoje já ajudam a baixar o custo dessas fontes. Reid Detchon, vice-presidente de energia e clima da United Nations Foundation, ressalta que o preço dos painéis que captam os raios solares caiu 75% nos últimos três anos. “No mundo todo, 1,3 bilhão de pessoas vivem sem fornecimento de energia. É uma enorme oportunidade de crescimento econômico que está sendo desperdiçada, pois essas pessoas acabam não se integrando à economia mundial. As energias renováveis poderiam ajudar a incluir essas pessoas”, avalia.

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VITÓRIA
Para Dilma, o documento final da Rio+20 supera o de todas as outras reuniões ambientais

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A tomada da liderança na questão ambiental pela sociedade civil chega ao ponto em que empresas assumem os serviços que deveriam ser prestados pelo poder público. George McCarthy, diretor de oportunidades metropolitanas da Fundação Ford, desenvolve projetos em cidades americanas, colaborando com melhorias de planejamento urbano e transporte em áreas periféricas. Isso para atenuar as dificuldades econômicas e sociais que as metrópoles podem enfrentar no futuro. Atualmente, cerca de 50% da população mundial vive em cidades e a previsão é de que em 2050 seja 70%. Se não houver investimentos em mobilidade, o transporte individual prevalecerá, com prejuízo para a circulação de mercadorias e pessoas. “Haverá um colapso econômico. Não integrar essas áreas periféricas aumenta por outro lado o risco de desordem social”, prevê McCarthy, cuja organização se instalou na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 realizado no Aterro do Flamengo, na zona sul do Rio.

Mas se muitas soluções independem dos políticos, por outro lado, sem o envolvimento dos governos fica mais complicado salvar o planeta. Afinal, ainda é de parte deles o comando das armas nucleares que, como lembrou o bilionário americano Ted Turner em uma das palestras, podem acabar com o mundo muito antes dos poluentes. Eventos como a Rio+20 podem ser questionados à exaustão, mas uma certeza se impõe: não podem deixar de acontecer. Necessitamos de acordos, de medidas, de ações tão ousadas quanto são os desafios que o planeta enfrenta. E isso só se consegue reunindo os povos.

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