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"Aqui não é asilo!"
"Refugo!"
"Cadê a muleta?!"

Os gritos são recentes e partiram de arquibancadas Brasil afora. O alvo era um centroavante de 43 anos, 32 clubes e 993 gols no currículo. Lendo as frases acima, tem-se a impressão de que os autores se descabelavam de raiva de Túlio Humberto Pereira da Costa, para quem eram dirigidas. Mas não era bem assim. Desde que passou a peregrinar por clubes de menor expressão para atingir a marca de mil gols, Túlio Maravilha, como é conhecido calçando ou não chuteiras, carregou com ainda mais folclore sua já folclórica trajetória em busca do milésimo gol. Berros em tom de diversão – e não de protesto – viraram, então, a tônica entre os espectadores da saga daquele que um dia foi seis vezes artilheiro do Campeonato Brasileiro (somando as séries A, B e C) e vestiu a verde e amarela da Seleção.

A passagem do jogador pelo Tanabi Esporte Clube, time do interior de São Paulo, entre abril e maio deste ano, é recheada de histórias que dão graça ao esporte mais popular do País. Túlio foi apresentado na Câmara Municipal e desfilou de carro aberto pela cidade de 24 mil habitantes. Mas a fama que corre lá é de que o artilheiro não conheceu sequer o banheiro do estádio Alberto Victolo. “Ele chegava de caminhonete na hora do jogo e ia embora”, diz o radialista Cícero Brandão, 42 anos. Pelo Tanabi, Túlio fez três amistosos e dois jogos válidos pela quarta divisão do Campeonato Paulista. Passou em branco nas duas oportunidades do paulistinha. “Em um dos jogos falei o nome dele só aos 20 minutos, quando correu atrás de uma bola lançada”, afirma o radialista. Túlio ri das histórias e, descolado que só, garante que tomava banho gelado em Tanabi. “Como estou em fim de carreira, abro mão de concentração, treinamentos, enfim, desfruto de regalias que um artilheiro de 43 anos tem de ter”, afirma. Como diz o próprio presidente do Tanabi, o veterano não veio para jogar futebol. “Ele veio aqui para fazer oito gols, não para jogar, disputar campeonato”, diz Irineu Alves Ferreira Filho. Assim, Túlio fez cinco partidas – recebeu R$ 7 mil por cada uma delas – e anotou sete vezes, somente nos amistosos.

Foi pelo Tanabi que o atacante chegou aos 993 gols. Daqui para a frente, ele irá completar a sua saga com a camisa do Botafogo do Rio de Janeiro. No mês que vem será lançado oficialmente pelo clube com o qual ele mais se identifica e pelo qual fez 159 gols, além de conquistar o título brasileiro de 1995, o projeto “Túlio a mil: sete gols de solidariedade”. Trata-se da última fase de sua busca pelo milésimo gol. O artilheiro nascido em Goiânia irá excursionar com jogadores da categoria sub-23 do time carioca até completar o 999º gol. E o milésimo está previsto para acontecer em uma partida da equipe principal, provavelmente válida pelo Campeonato Brasileiro, no estádio do Engenhão, no Rio. “Túlio devolveu a irreverência, o bom humor ao Botafogo, que eram a marca do clube nos anos 60”, diz Marcelo Guimarães, diretor de marketing da agremiação. “Estamos incumbidos de dar sete gols a ele.”

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MARATONA
O atacante nas suas andanças pelo País. Acima, no CSE, de Alagoas.
Abaixo.,treina no Canedense, de Goiás

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De fato, o Botafogo tem firmado parceria com empresas para colocar uma equipe com jogadores, médicos, preparadores físicos e treinador para excursionar com Túlio por regiões do País com alta concentração de botafoguenses. Mais: no momento, 12 produtos serão licenciados com a marca do artilheiro. É um tratamento que ele não vinha tendo quando caiu na estrada em busca de gols. Pelo Canedense (GO), teve de colocar a mão no bolso para pagar a taxa da arbitragem em um dos três amistosos feitos na agremiação. “O diretor do clube encarregado de fazer o pagamento não estava no local e tive de pagar, creio eu, R$ 350”, diz o veterano, que disputou também outras nove partidas válidas pela Série B do Campeonato Goiano.

Em Palmeira dos Índios, cidade de 70 mil habitantes em Alagoas, Peixinho e Israel, respectivamente atacante e lateral da equipe do CSE, foram os que mais receberam agrados do veterano. “O jogador que desse um passe para o Túlio fazer gol ganhava R$ 100 em jogos do campeonato e R$ 50 em amistosos”, diz Antonio Oliveira, presidente do CSE. Túlio nega, mas conta suas investidas para os goleiros adversários. “Se você deixar eu fazer um golzinho terá uma alegria porque vai aparecer no DVD dos meus gols. Uma vez deu certo e o goleiro tomou um gol feliz da vida.” O atacante recebia um salário de R$ 30 mil no CSE de Palmeira dos Índios, para onde se transferiu em janeiro. Lá, fez 16 jogos em três meses e dez gols, sete em amistosos.

Goleiro adversário, companheiro de time e arbitragem à parte, ninguém é mais parceiro de Túlio na busca pelo milésimo gol do que a contagem pessoal na qual ele se baseia para atingir a mesma marca conquistada por Pelé e Romário. “Muitos gols meus não constam em registros, como os feitos na Hungria (jogou pelo Ujpest, em 2002) e em pré-temporada pelo Goiás. Só que eles estão na minha memória”, diz ele. “É como em eleição: margem de erro de 2% para mais ou para menos.” Nessa arte imprecisa chamada futebol, Túlio achou uma brecha para escrever sua própria história.

“Muitos gols meus não constam em registros.
Só que eles estão na minha memória”
Túlio