Ao colocar os pés na Terra Santa, com a difícil missão de tentar estancar a carnificina, o secretário de Estado americano, Colin Powell, esteve anos-luz de distância do que foi um dia o aperto de mão entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, em 1993, na Casa Branca. Em 19 meses da nova intifada (levante palestino), esta é a primeira vez na história de Israel que judeus e palestinos que lutam pela paz estão apáticos e desesperançados. E pior. À medida que o conflito se intensifica, de ambos os lados, seja com os massacres nas cidades palestinas, seja com os homens-bomba que matam civis israelenses, é ainda menor a chance de futuras gerações, que crescem em meio ao ódio, vislumbrarem uma vida melhor. Os israelenses estão aterrorizados, com medo de sair à rua, de ir a uma pizzaria, de deixar seus filhos pegarem os ônibus matinais. Perderam seus entes queridos e ainda temem o que há por vir. Os palestinos não têm alimentos nem remédios. Estão confinados em suas próprias casas, sob o toque de recolher, vivendo sob uma humilhação jamais vista. Também perderam seus familiares, suas casas, seus direitos de ir-e-vir e, principalmente, sua dignidade. O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, disse em Madri, na quarta-feira 10, que o que está havendo nas cidades palestinas é um massacre. Annan, que confessou estar “estarrecido” com os acontecimentos, afirmou que “nenhum de nós terá idéia completa da gravidade da situação até ter acesso aos territórios transformados em campos de batalha”. Na sexta-feira 12, em Genebra, o secretário da ONU pediu o envio de tropas internacionais para a região. Na mesma manhã, houve mais um atentado contra israelenses em Jerusalém, horas depois de Powell ter se reunido com o primeiro-ministro israelense Ariel Sharon. Depois do encontro, Sharon afirmou que pretende continuar com a guerra contra “a infra-estrutura palestina do terrorismo”.

Israel se justifica afirmando que é uma questão de manter sua segurança, de proteger seus cidadãos. O editor do respeitado periódico Jerusalem Post, Hirsh Goodman, escreveu que, depois da guerra de 1948, da guerra dos Seis Dias em 1967, da guerra do Yom Kippur em 1973, e da guerra do Líbano em 1982, “esta é a primeira vez que os israelenses enfrentam diretamente o inimigo. Não os árabes que lutam pelos palestinos, mas os palestinos mesmo, sob a liderança de Yasser Arafat. Não é uma guerra distante nas areias do Sinai, mas uma guerra aqui, em nosso quarteirão, em nossa porta, em nossas casas. É a verdadeira guerra de independência de Israel. Se perdermos esta guerra, perderemos nosso país”, escreveu ele.

E mesmo que haja alguma chance de um cessar-fogo, por breve que seja, quais são as reais chances de ambos os lados retomarem a confiança? Poucas. Para a socióloga Sara Roy, da Universidade de Harvard e especialista em Oriente Médio, o pilar da questão é a ocupação israelense. “A guerra antiterror de Ariel Sharon é apenas um disfarce para que ele reocupe os territórios palestinos. Depois de 16 anos visitando a região, este é o pior cenário que eu já vi e só posso estar pessimista. É muito difícil se chegar a um acordo de paz em Israel enquanto houver a ocupação dos territórios palestinos. É por isso que todos os tratados de paz não deram certo, seja o de Camp David, o de Oslo ou qualquer outro. E nenhum acerto se fará enquanto os palestinos não tiverem suas terras. Eles não aceitam um território fragmentado, sem passagem. E neste ponto não há diferença entre os governos do Partido Trabalhista ou do Likud, de Ariel Sharon, porque no fundo nenhum político israelense quer realmente lidar com este problema”, afirmou Sarah.

É dos campos de refugiados que provém a maior parte dos terroristas palestinos. E, se antes eram apenas os homens os voluntários para a matança, muitas vezes sem o conhecimento de seus parentes, hoje grupos radicais, como o Hamas, são fortalecidos com a presença até de mulheres, e suas famílias são indenizadas se o jovem tornar-se o que eles chamam de “mártir”. O presidente iraquiano Saddam Hussein, aproveitando a onda de terrorismo contra Israel, aumentou sua recompensa de US$ 10 mil para US$ 25 mil às famílias de terroristas suicidas. Um desses matou 13 soldados israelenses em uma emboscada na terça-feira 9, em Jenin, cidade onde está o maior foco de resistência palestina, que aos poucos começa a ser desmontado.

Lentidão – Enquanto o sangue escorria pela Terra Santa, o secretário-americano Powell fazia seu giro por três capitais árabes e por Madri. A demora de uma semana para chegar a Israel causou indignação até em líderes árabes moderados, como o rei do Marrocos, Mohammed VI. “O senhor não acha que está demorando demais para ir para Jerusalém?”, perguntou o rei ao secretário americano. Alguns disseram que a demora foi proposital para que Sharon continuasse com sua ofensiva. Em apenas um dia, dois mil palestinos foram detidos (ao todo foram 4 mil na operação Muro Defensivo, que começou no dia 29 de março). Apesar de Israel ter anunciado a retirada de 24 aldeias da Cisjordânia, acabou ocupando mais outras três. “Estas manobras não passam de uma maquiagem”, disse o cientista político da Universidade de Harvard, Herbert Kelman. Sharon também já avisou que não está disposto a conversar com o “despachante de homens-bomba”, como caracterizou Arafat, e afirmou que o encontro dele com Powell, que acontece no sábado 13, “é um trágico erro”. O líder palestino, por sua vez, confinado ainda em seu quartel-general, também deverá condenar o terrorismo, mas também não está disposto a fazer um papel menor.

Para pavimentar o caminho da paz não bastam declarações de Arafat e Sharon. A Autoridade Palestina foi esmagada pelos tanques, com a perda de milhões de dólares em sua infra-estrutura (estradas, torres de eletricidade, tubulações de água e telefonia). Washington também não está apostando todas as suas fichas no governo Sharon e reclama nos bastidores de sua limitada visão em relação à reocupação palestina. Na verdade, o que Sharon gostaria mesmo é de se livrar de vez de Arafat. Mas isso só colocaria mais pólvora num barril já em chamas. Os Estados Unidos sabem disso e diplomaticamente indicaram algumas vezes que prefeririam tratar com uma nova liderança palestina.

Sharon com alta popularidade contenta, por enquanto, a direita, ofuscando até Benjamin Netanyahu, que chegou a ameaçá-lo no início de seu governo. Mas até quando a fera israelense irá prosseguir com esta guerra insana? Sharon teria que mobilizar mais 425 mil reservistas, com um custo humano e econômico que talvez colocasse um ponto final em seu respaldo popular. E, mesmo Israel sendo o poderio militar que é, as próximas incursões talvez não passem de algumas semanas. Além disso, cresce o descontentamento no mundo árabe, onde os governos estão sendo pressionados por suas populações a tomar uma atitude mais drástica. Ondas de protesto inflamam todas as capitais. A rainha Raina, palestina e esposa do rei Abdullah da Jordânia, por exemplo, encabeçou uma manifestação nas ruas de Amã. Para a socióloga Sarah Roy, na verdade, “os regimes autoritários e corruptos dos países árabes só estão permitindo que essas manifestações em apoio aos palestinos aconteçam porque temem que suas populações se revoltem contra eles”.

No Egito, país aliado dos EUA que já congelou as relações diplomáticas com Israel, a ira toma conta do Cairo. E assim vai para o Irã, que financia grupos radicais islâmicos em Israel e no Líbano. Do Sul do Líbano, a milícia islâmica xiita Hezbollá (financiada pelos iranianos) vem atacando as populações israelenses que moram no Norte de Israel. Porém, segundo Edward N. Luttawak, autor do livro Estratégia: a lógica da guerra e da paz, a Síria, que praticamente controla o Líbano, teme mais uma retaliação dos israelenses do que dos radicais do Hezbollá. Luttawak afirma que “o jovem presidente Bashar Assad não estaria interessado em enviar seus dois mil tanques para a fronteira das colinas de Golã, a não ser que o Egito também envie seus soldados. E se, por último, os árabes resolvessem investir contra Israel, acredita-se que as Forças Armadas israelenses sejam tão poderosas que, por exemplo, num combate hipotético, se eles abatessem 30 aviões, perderiam apenas um”, concluiu o analista Luttawak. A pior das hipóteses seria mesmo uma ofensiva do ameaçador Saddam Hussein. Se ele investir contra Israel, certamente terá resposta imediata dos israelenses e americanos. “Saddam não é bobo em começar. Ele sabe que os EUA estão loucos para atacar, então, não acredito que irá provocar isso. Sinceramente, nesta guerra eu me preocuparia mais com o Líbano, dominado pela Síria, do que com o Iraque”, afirmou Herbert Kelman.

E como se já não fosse por demais complicada a situação em Israel, o cerco à basílica da Natividade em Belém se agrava à medida que os dias passam, colocando em risco não só os padres reféns dos mais de 200 palestinos, mas também um dos pilares da civilização ocidental: o local da manjedoura de Jesus Cristo. Por conta disso, as tropas israelenses continuam sem ter como entrar neste símbolo do catolicismo sem provocar revolta. O mundo já condenou as ações de Sharon, inclusive o papa, mas parece que ele continua surdo.