Há três semanas em cartaz no Rio de Janeiro, em São Paulo e Fortaleza – em breve chega a Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador –, o documentário Timor Lorosae – o massacre que o mundo não viu é um sucesso paralelo ao cinema comercial. Também exibido em escolas e universidades, o trabalho assinado pela atriz e agora diretora Lucélia Santos vem tendo boa aceitação entre os estudantes. O filme é um soco no estômago devido ao show de mortes, mutilações, lágrimas e atos de crueldade que costuram a história sangrenta vivida pelo povo timorense em 25 anos de guerrilha na minúscula ilha da Oceania, perto da Austrália. Invadida pela Indonésia em 1975, desde então a ex-colônia portuguesa passou a viver e a morrer na luta pela independência. Como resultado, um terço da sua população foi dizimada. O ocorrido só é comparável ao Holocausto, mas com uma diferença: o mundo ainda não se comoveu. Tendo a chance de gritar tais atrocidades, Lucélia captou imagens in loco e acrescentou outras inéditas no Brasil. Ao custo total de R$ 600 mil, editou um bom material de denúncia. Em tempo: lorosae significa leste no dialeto tétum.

Revigorada pela nova empreitada, ela engata vários projetos. Será protagonista de uma novela em parceria com uma produtora chinesa de televisão, estuda convite para um documentário sobre o Oriente Médio e prepara outro sobre as Olimpíadas de 2004, além de estrear a peça Felizes para sempre. Lucélia Santos deu a seguinte entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – Por que você resolveu fazer um documentário sobre o Timor Leste?
Lucélia Santos –
Decidi fazer o filme em 2000 quando encontrei o Xanana Gusmão (recém-empossado presidente do Timor independente) aqui no Brasil. Ele disse: “Lucélia, nós somos uma página em branco e estou lhe oferecendo lápis e papel para que você nos ajude a escrever essa história.” Ofereci o projeto para a televisão portuguesa. O pessoal amou a idéia, mas começou a demorar muito e eu fiquei aflita. Sabe aquela sensação que a gente tem de que ou faz agora ou nunca? Fui ao falecido governador Mário Covas por pura intuição. Não o conhecia pessoalmente, foi radar. Falei do projeto do documentário e ele disse que achava de grande valor cultural para o Brasil e também admirava o Xanana. Deu dois telefonemas para companhias elétricas e ele me conseguiu uma verba de R$ 90 mil. Pouco, mas suficiente para contratar equipe, alugar equipamento por um tempo restrito.

ISTOÉ – Você tinha idéia do que iria encontrar lá?
Lucélia –
Fiz o filme por causa do impacto emocionante que o relato do embaixador José Ramos Horta (Prêmio Nobel da Paz) me causou. Quando ele disse que as mulheres eram violentadas, o povo torturado e mutilado, e todo mundo resistindo na guerrilha havia 25 anos, fiquei impressionada. O tempo todo tentei entender a origem da violência e por que os seres humanos chegam a esse ponto.

ISTOÉ – Chegou a alguma conclusão?
Lucélia –
No caso do Timor Leste, acho que tem muito a ver com a questão da droga. Todos se referiam a isso. Alguma coisa que não ficou clara para o mundo, mas que consegui detectar, é que a importância do Timor é muito mais estratégica do que econômica devido à produção de petróleo. Ali é um ponto militar importante, de passagem de submarinos. Outra conclusão é sobre aquela gente. Não fossem eles, que são fortes, brigões, já estariam todos exterminados.

ISTOÉ – Violência associada às drogas é um quadro que conhecemos bem no Brasil. Há comparação com o terror vivido nas favelas cariocas?
Lucélia –
Não tem nenhum paralelo, nada a ver. O Brasil é meramente mal administrado. O Timor foi invadido e massacrado por um país infinitamente maior que ele. Um terço da população foi dizimada, o país foi destruído, não há similaridade entre essa violência e a do Brasil. O problema aqui é falta de administração. Não por razões militares, mas por questões políticas. Estamos vivendo uma guerra civil. De acordo com a ONU, acima de 15 mil mortos por ano já é guerra civil.

ISTOÉ – Aqui há um sistema antropofágico no qual a sociedade se mata, seja através de assaltos, seja da miséria…
Lucélia –
Desigualdade social também gera sequestros, crianças na rua. Qual é a justificativa para termos chegado a uma distribuição tão desigual, já que só perdemos para a África nesse item?

ISTOÉ – Você está com algum projeto novo?
Lucélia –
Tenho um projeto em parceria com a China, que é uma minissérie, uma superprodução chamada O amor do outro lado da terra, do escritor chinês Zhou Zen Tian e do brasileiro Luiz Carlos Maciel. É um novelão que conta a história de três gerações. O elenco mistura chineses, brasileiros e alguns portugueses.

ISTOÉ – Quando você propõe um projeto internacional, a personagem escrava Isaura chega antes da atriz Lucélia Santos?
Lucélia –
Chegou, há muito tempo. Abriu caminho. Agora quem chega é Lucélia Santos…

ISTOÉ – Como vai a vida artística?
Lucélia –
Acabo de estrear, no Rio de Janeiro, Felizes da vida, um texto argentino que fala de um casal de classe média em desespero. É uma comédia que faço com o Guilherme Leme e vamos levá-la para São Paulo no início de 2003.

ISTOÉ – Como foi sua passagem das drogas para uma vida
mais saudável?
Lucélia –
Sou vegetariana total, bebo água pra caramba, não fumo, não me drogo, não me intoxico. Já experimentei um monte de coisas, mas a minha onda é mesmo tomar um bom vinho tinto. Sou atleta amadora, corro todo dia há muitos anos e faço ioga diariamente. Na vida artística, no momento minha prioridade é a minissérie com a China, porque preciso me manter viva no mercado chinês. Quero comprar uma casa em Pequim e ir para lá quando eu for bem velhinha.