Na esteira da comemoração do centenário de morte do escritor irlandês Oscar Wilde, completado em 2000, o mercado editorial brasileiro foi abastecido de reedições, coletâneas, frases pinçadas e itens curiosos, como uma biografia em fotos organizada pelo seu neto. No entanto, novidade mesmo no Brasil é a publicação de Os retratos de Oscar Wilde (Nova Alexandria, 280 págs., R$ 35) que, além de seu célebre romance O retrato de Dorian Gray (1891), traz O retrato do sr. W. H., mistura de conto e ensaio, escrito em 1889. Publicado clandestinamente em 1897, e praticamente perdido até ser incorporado às suas Obras completas, em 1973, o texto aparece aqui numa adaptação da tradução portuguesa feita por Aníbal Fernandes, autor do prefácio e de uma cronologia (Dorian Gray ganhou tradução do brasileiro Eduardo Almeida Ornick). Os dois “retratos” formam uma feliz união. É notória a fixação de Wilde pela imagem humana e seu duplo, seja através de retratos ou máscaras. Foi com este artifício, o simulacro, que ele defendeu seu homossexualismo estridente. O que não o impediu de se casar e ter filhos, mas precipitou sua tragédia pessoal, culminando com uma sentença de dois anos de trabalhos forçados sob a acusação de sedução de um menor.

Segundo especialistas contemporâneos, O retrato do sr. W. H.
foi um ato praticamente suicida do escritor. Aproveitando-se da
confusão histórica criada por William Shakespeare ao dedicar seus Sonetos a um certo W. H. – para alguns estudiosos William Herbert, o Lorde Pembroke, ou Henry Wriothesley, o conde de Southampton com as iniciais trocadas –, Wilde inventa uma minuciosa investigação que daria como certa a existência de Willie Hughes. Seria ele o verdadeiro W. H., um jovem e belíssimo ator especializado nos papéis femininos escritos pelo dramaturgo, que no século XVI eram interpretados por homens. Para desespero de seus amigos, Oscar Wilde mexia com a delicada questão homossexual ao mesmo tempo que duvidava da sexualidade do bardo, até então intocável. Não à toa, o autor irlandês costumava dizer que “a natureza imita Shakespeare”, um artista para quem a própria natureza humana era bissexual.