Nos 55 anos e coroado como um dos mais bem-sucedidos diretores do mundo, Steven Spielberg ainda alimenta fantasias juvenis, como ansiar pelo dia em que filmes serão semelhantes a sonhos que passarão dentro da cabeça das pessoas. A idéia tanto lhe fascina que no seu thriller de ficção científica Minority report – a nova lei (Minority report, Estados Unidos, 2002), em cartaz nacional na sexta-feira 2, ele dá uma pequena amostra de como seria este cinema subjetivo. Baseado num conto escrito em 1956 pelo americano Philip K. Dick, Spielberg imagina uma raça de videntes, os pre-cogs, pessoas aptas a captar, até com uma semana de antecedência, imagens de crimes prestes a acontecer. Assim, a serviço de um departamento especial da polícia, o Pré-Crime, um trio destes videntes é mantido em vigília permanente numa piscina de líquido nutriente chamada Templo. Quando um assassinato está para ocorrer, eles entram numa espécie de convulsão, transmitindo as visões para uma grande tela transparente de computador, de forma que os policiais possam identificar o criminoso antes do ato fatídico.

Este Estado policial, que aposentou as digitais e identifica as pessoas pela íris, orgulha-se de ter zerado a taxa de homicídios. Na antecipação spielberguiana, tal sociedade situa-se em 2054 numa Washington apinhada de outdoors eletrônicos, de lojas cujas recepcionistas digitais recebem o consumidor pelo nome e de vias expressas que deságuam em verdadeiros canyons verticais por onde trafegam carros movidos a energia magnética. À frente do Departamento Pré-Crime, criado pelo sizudo Lamar Burgess – o ótimo, frígido e conservadíssimo, em seus 73 anos, ator sueco Max Von Sydow –, está o eficiente policial John Anderton (Tom Cruise), que periodicamente se posta como um maestro diante da tela de vidro suspensa, movendo e editando com suas luvas-mouses as imagens enviadas pelos pre-cogs. Ao som da Sinfonia inacabada, de Schubert, o espetáculo visual proporcionado por Spielberg enreda o espectador, especialmente quando Anderton descobre, interpretando informações, que ele próprio está para matar um homem que nunca viu pela frente. É quando a ficção ganha atmosfera de film noir e Anderton, com apenas 36 horas para desvendar seu enigma, passa a ser perseguido pela própria polícia que chefiava.

Errol Flynn – Na corrida contra o tempo, Tom Cruise protagoniza cenas fantásticas. Lembra um Errol Flynn fashion ao saltar de um carro para outro na veloz autopista magnética que despenca como uma montanha-russa de alturas inimagináveis. Em sua luta contra o batalhão Pré-Crime, voa agarrado nas costas de policiais turbinados, entra e sai de janelas de prédios como quem dança uma coreografia alada. Outra sequência nervosa acontece quando Anderton se esconde entre a multidão de um shopping, abraçado à pre-cog Agatha (Samantha Morton). Ao fundo toca uma versão muzak de Moon river. Mas Spielberg nunca vai deixar de ser criança. Em determinada altura, coloca em ação um grupo de aranhas robóticas que identificam as pessoas escaneando suas pupilas, um mimo para as crianças que forem ao cinema em busca de novos ETs.

Ao todo, foram 445 efeitos digitais. À exceção das aranhas, para que nenhuma das antecipações soassem ridículas, Spielberg fez questão de se fechar durante três dias com 16 especialistas nas áreas de realidade virtual, biotecnologia, urbanismo e outros campos da ciência. O escritor Douglas Coupland, por exemplo, sugeriu uma arma que provoca vômitos na vítima. Tudo muito plausível. Mas o problema de Minority report vai além da futurologia e do ótimo acabamento, que engoliu US$ 102 milhões. Está na sua trama frágil. Apesar de ter nomeado os pre-cogs de Arthur, Dashiell e Agatha, numa referência aos escritores policiais Arthur Conan Doyle, Dashiell Hammett e Agatha Christie, Spielberg esqueceu de uma premissa básica do grande suspense, que é deixar o espectador descobrir aos poucos, por deduções lógicas, a chave do enigma. Não é o que acontece em Minority report. Primeiro porque o diretor gosta de facilitar o trabalho da platéia, repetindo, enfatizando ou dando de mão beijada todas as dicas. Segundo, porque, de certa forma, os próprios pre-cogs substituem a participação ativa de quem está na poltrona, fazendo com que cada revelação venha fria e sem vida. É certo que em sua fase kubrickiana, Steven Spielberg se mostra mais dark, cultiva humor negro e homenageia os filmes 2001 – uma odisséia no espaço e Laranja mecânica. Nada, contudo, que torne Minority report a obra-prima que todo mundo vem apregoando