Pouca gente acreditava que em plena Copa do Mundo o eleitor prestaria atenção na propaganda eleitoral. Pois prestou. Ciro Gomes, candidato da Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT), decolava nas pesquisas enquanto Fernando Henrique condecorava a Seleção Brasileira no Planalto. Um verdadeiro fenômeno. O ex-governador do Ceará saltou de 9% em junho para 26% no último levantamento do Ibope, realizado entre os dias 21 e 23 de julho. Não bastasse isso, ele se tornou o único candidato capaz de derrotar Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, e por uma boa margem: 47% a 40%. Para desespero do tucanato, José Serra continua em queda vertiginosa e foi de 19% para 13% no mesmo período. Está tecnicamente empatado com Anthony Garotinho, do PSB, que tem 11%. Lula continua na liderança com 33%. A ascensão meteórica surpreendeu até o próprio Ciro, que nem sequer apareceu nos programas eleitorais em junho, mas foi muito bem representado pela mulher, Patricia Pillar: “Eles não querem que o Ciro fale”, anunciava a atriz, dizendo que o marido fora proibido de dar as caras no horário dos partidos aliados no rádio e na tevê. Quem solicitou o veto à Justiça foi a coligação PSDB-PMDB, de José Serra. Sinal de que já pressentiam as dificuldades para a candidatura oficial. Ciro bagunçou o coreto a tal ponto que FHC já admite nos bastidores que pode apoiar Lula se o ex-governador do Ceará chegar ao segundo turno.

A explicação para o crescimento tão rápido do político formado em direito – que tem fama de economista graças à passagem pelo Ministério da Fazenda, em 1994 – ainda divide especialistas no assunto. Sua fama é de pavio curto, de quem perde a paciência com facilidade e não pensa duas vezes antes de atirar as quatro pedras que traz sempre na mão. O marqueteiro de Ciro, Einhart Jácome, diz que não se pode confundir “agressividade com indignação”. O fato é que o estilo bateu-levou e sem papas na língua tem agradado porque, segundo publicitários ouvidos por ISTOÉ, faz com que ele se descole das exaustivas estratégias de marketing: Ciro está sendo ele mesmo. Ultimamente, claro, anda de bom humor. “Peguei o pau-de-arara no sentido inverso”, brinca ele, que nasceu em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, mas voltou para Sobral (CE) com a família ainda criança. A história trágica do câncer de Patricia Pillar também ajuda. A idéia de que o marido “abandonou tudo para ficar ao lado da amada” emociona o eleitor, principalmente num país onde o público e o privado se confundem até na política. Outro fator importante é a própria imagem de Ciro. Na pesquisa Vox Populi realizada entre os dias 14 e 15 de julho, é apontado como decidido (58%), capaz de governar (59%), trabalhador (65%), preparado para o cargo (58%) e com visão de futuro (59%). Se tudo isso será suficiente para levá-lo ao segundo turno, é outra questão.

Tudo azul – Entre os entusiastas de Ciro o otimismo é generalizado. O deputado federal Emerson Kapaz (PPS) acredita que já
no começo de agosto ele tenha ultrapassado
Lula. Candidato ao governo paulista pelo PTB, Antonio Cabrera diz que a receptividade de Ciro nas ruas é “impressionante”. “Todo mundo
garante que votou nele em 1998. Se fosse verdade, tinha sido eleito”, brinca o candidato, feliz porque o presidenciável estará com ele em São Paulo toda semana. Na quarta-feira 24, a visita de Ciro à capital foi cansativa, mas
rendeu bons frutos. De pé das seis horas
da manhã à meia-noite, falou a empresários, artistas e deu duas entrevistas na tevê. Foi aplaudido na Fiesp, onde até há pouco tempo, segundo Kapaz, “havia muita resistência”. Em economês, criticou o governo; sorrindo, fez piada; irritado, criou confusão com os jornalistas. À noite, conversou com cerca de 300 artistas num evento organizado por Patricia Pillar. Estavam lá os prestigiados Juca de Oliveira, Marco Nanini, Tom Cavalcante e Ruth Escobar, íntima dos tucanos. Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, vice na chapa de Ciro, saiu animado: “O clima está muito favorável.”

Clima favorável à parte, Francisco José de Toledo, do Instituto Toledo & Associados, diz que “o crescimento foi acelerado demais e agora os números devem se estabilizar.” Segundo ele, Ciro levou eleitores de Lula, de Serra e indecisos. O sobe-e-desce da eleição já pegou muita gente de surpresa. Roseana Sarney (PFL) também disparou como um foguete nas pesquisas, mas foi derrubada de supetão pelo episódio em que a Polícia Federal invadiu a Lunus, empresa de sua propriedade, e encontrou R$ 1,3 milhão em notas de R$ 50.
O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PSB) encostou no segundo lugar e agora patina nos 11%. Serra chegou aos 21% e hoje está na terceira posição. Tantas idas-e-vindas têm ocorrido antes mesmo que o horário eleitoral diário entre no ar. Analistas dizem em coro que só a estréia da propaganda, em 20 de agosto, sinalizará melhor o primeiro turno. No tempo de tevê, Serra leva vantagem, pois terá 19 minutos e 27 segundos diários contra a metade destinada à Frente Trabalhista (8min15) e ao PT (10min38).

A cientista política Maria Victória Benevides acredita que o perfil
de oposição é o que está ajudando o candidato do PPS. “As
tendências mostram que ninguém quer a continuidade desta
política”, diz. Ciro nem sequer fez alarde sobre seu encontro com o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, na segunda-feira 22. “Foi uma reunião agradável”, resumiu, sem maiores explicações. Mas Maria Victória acha que, se Ciro for eleito, a banda não tocará no ritmo das mudanças. “As oligarquias e as elites começam a apoiá-lo porque com ele têm mais chances de manter os privilégios”, afirma. O palanque da Frente Trabalhista tem políticos de diversos matizes. Do PPS do senador Roberto Freire, “herdeiro da esquerda democrática do Partido Comunista Brasileiro”, como ele mesmo diz, passando pelo PFL de Antônio Carlos Magalhães e chegando no PTB do deputado Luiz Antônio Fleury. Freire argumenta: “A direita está em todas as candidaturas. E é normal que ela venha para nós quando a vitória se anuncia. Depois será outro problema, a ser resolvido como estadista.”

Outros entusiastas da candidatura Ciro têm chamado mais atenção: os que têm ou tiveram relação com o ex-presidente Fernando Collor (PRTB), candidato ao governo de Alagoas. O PPS brigou para tirar o diretório local da campanha de Collor, mas o PTB continuou com o ex-presidente. O coordenador-geral da campanha de Ciro, o deputado José Carlos Martinez (PTB-PR), não nega que apóia o ex-presidente. Na última semana, Martinez esteve na berlinda porque deve dinheiro à família de PC Farias, tesoureiro de Collor assassinado em 1996. Ele diz que tomou emprestado de PC US$ 1,6 milhão para comprar a emissora de tevê CNT. Para Ciro tudo não passa de intriga: “Isso é forçar a barra. Não tenho nada a ver com os negócios privados dele.” Reunida em Brasília na quinta-feira 25, a cúpula da campanha decidiu que Martinez fica na coordenação. Ciro rebate os que contam os colloridos em seu palanque dizendo: eles estão por toda parte. Cabrera exemplifica com sua própria trajetória: “Fui ministro da Agricultura de Collor, mas também fui secretário do governo tucano de Mário Covas.”

A estratégia de colar a imagem de Ciro na de Collor não vai funcionar, dizem os especialistas. “O governo vai jogar pesado contra o Ciro. Vão tentar demonizá-lo”, acredita Maria Victória Benevides, para quem Ciro “está tirando de letra” a comparação com Collor. Além disso, diz ela, o impeachment “é coisa do passado, muita gente não lembra ou nem sabe o que aconteceu”. Outros acreditam ainda que, se o Planalto tentar fazer isso, o feitiço poderá virar contra o feiticeiro: “Vai parecer maldade. Tentar impedir o Ciro de falar na tevê já pegou mal e as pesquisas qualitativas identificam o Serra como o homem que preparou a armadilha para a Roseana”, diz um marqueteiro.

Sem perfume – Parece difícil bater em Ciro. Estrategista experiente, Duda Mendonça, responsável pela propaganda de Lula, não está gostando nada da possibilidade de enfrentá-lo no segundo turno. Sonhava com um adversário pouco carismático, como Serra. O quartel-general de Lula está de pernas para o ar e o PT está refazendo a sua estratégia. “Chega de perfuminhos e gravatas. Lula vai, mais do que nunca, colocar os pés na lama, ir às ruas e falar ao povão”, conta um integrante da campanha. O problema é que Lula terá que fazer mágica para compatibilizar a exaustiva campanha de rua com a de tevê, que exige aparência impecável e mente ágil. Ao mesmo tempo, ele continua com a árdua tarefa de cortejar empresários. Na segunda-feira 22, reuniu 400 associados do Instituto Ethos, entidade que agrega 635 empresas, representando 30% do PIB. Um grupo de 100 empresários vai lançar um comitê de apoio ao petista e, na terça-feira 30, ele estará na Fiesp.

Mas se a entrada do senador José Alencar (PL-MG) como vice de Lula tem ajudado a atrair a classe empresarial para a campanha, a presença do mineiro de nada adiantou na aproximação com o governador de Minas, Itamar Franco (ex-PMDB, hoje sem partido). Itamar, que já tinha declarado apoio a Lula, subiu no muro na última semana. O presidente nacional do PT, José Dirceu, esteve em Belo Horizonte na quinta-feira 25, numa reunião de duas horas com o governador. Decepcionou-se. Itamar limitou-se a dizer que votará em Lula, embora Dirceu garanta que o apoio “não está congelado”. No entanto, o govenador se encontrou com Ciro Gomes no dia anterior, segundo ele, “por acaso” , no aeroporto da Pampulha. Muito esquisito, principalmente depois que Henrique Hargreaves, secretário de Governo de Itamar, se engajou na campanha da Frente Trabalhista. Correndo por fora para tentar minimizar o “efeito Ciro”, além de garantir apoios os petistas também adotaram outra tática: agora são Serra desde criancinha.

Não há quem não torça pela recuperação do “companheiro Serra”. “Rezo por isso todos os dias”, admite um colaborador de Lula. Alguns petistas se apegam ao horário eleitoral como uma prancha de salvação do tucano. Responsável por pescar infiéis dos partidos coligados com os outros candidatos, como PMDB, PSDB e PTB, o secretário de Organização do PT, Sílvio Pereira, diz que não se pode considerar Serra fora do páreo. “Além de ter o maior tempo de tevê, ele ainda tem fortes palanques estaduais”, ressalta. FHC até parece retribuir a força. Em conversas reservadas teria dito: “Lula é uma opção melhor. Já houve duas campanhas e ele nunca recorreu a baixarias e xingamentos. Eu confio mais nele. No Ciro não dá para confiar.” Com este quadro, caberá a Serra, que na última semana esteve nos subúrbios do Rio, melhorar os ânimos para não acabar no Irajá, como Greta Garbo, ou virar nome de rua, como Cristiano Machado.

A ascensão de Ciro está trazendo de volta à moda uma palavra surgida na eleição de 1950: cristianização. O presidente Eurico Dutra, contra a vontade do partido, escolheu um inexpressivo político mineiro do PSD, Cristiano Machado, para ser seu candidato à sucessão. Resultado: um retumbante fiasco nas urnas. Cristiano chegou em terceiro lugar, atrás de Eduardo Gomes, da UDN, e do presidente eleito, Getúlio Vargas, do PTB, que herdou os votos do PSD. A teimosia gerou o neologismo “cristianizar”, hoje sinônimo de traição. Agora, o fantasma ronda o PSDB. “É impossível não falar em cristianização”, confessa o deputado Jovair Arantes (PSDB-GO). Para ele, a campanha do governista errou ao ficar centrada em São Paulo: “É arrogância. Os paulistas acham que são donos do Brasil. Aqui em Goiás não vi nem adesivo do Serra”, constata. O comando da campanha concorda. Falta estrutura, carisma do candidato e popularização. “É necessária a presença de FHC e seu poder de sedução. Está tudo muito elitista”, endossa o senador Ney Suassuna (PMDB-PB).

Sem chance – Nos últimos dias, os capos do PMDB trocaram telefonemas para avaliar as consequências do furacão Ciro. Dois importantes caciques já jogaram a toalha, mas não tornaram a decisão pública. Consideram Serra derrotado, mas, por enquanto, tratam de manter o PMDB governista unido para uma negociação melhor no segundo turno. “Não há chance de reverter. O jeito é bater continência e afundar junto”, diz o deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE). Na última semana, vários caciques regionais pularam do barco. Mas Ciro não foi o principal beneficiado. A maioria dos peemedebistas foi para o PT.

As más notícias para o Planalto começaram na Paraíba, onde
Serra esteve há duas semanas. Gafe inesquecível: ele trocou
o nome de Campina Grande por Campo Grande, que tanto pode ser a capital de Mato Grosso do Sul como um subúrbio do Rio. O ex e o atual governadores do Estado, José Maranhão e Roberto Paulino, ambos do PMDB, escancararam o apoio a Lula. As traições nordestinas contaminaram o PMDB do Piauí, que se inclina para Ciro. Em Fortaleza, o prefeito Juraci Magalhães (PMDB) indica que subirá no palanque do PT. Se nos altos escalões a traição começa a grassar, no baixo clero a inquietação é ainda maior, embora discreta. O deputado tucano Wilson Santos (MT), que disputa a reeleição, comunicou que seu material de campanha estará divorciado do de Serra. Nessas situações, os candidatos nos Estados raciocinam como numa corrida de turfe: priorizam sua própria eleição e só apostam na barbada.

Tantas deserções indicam que Serra também será cristianizado?
Por ora, não. Para tentar conter a onda de infidelidade, o tucanato improvisou uma reunião com 15 governadores aliados em Brasília, na quarta-feira 24. Saíram de lá cobrando verbas e declarando amor
a Serra. Mas o suor dos políticos depende da generosidade financeira do Planalto e das pesquisas. A aposta é no horário gratuito e na aparição de FHC ao lado do ex-ministro. O secretário de Organização do PT, Silvio Pereira, dá a dica: “A saída é concentrar sua campanha no tripé São Paulo, Rio e Minas, onde está o grosso do eleitorado. Ele tem uns dez dias para se mostrar competitivo.” Os tucanos podem confiar, porque
na atual conjuntura, conselho de petista é conselho de amigo. Para os mais desesperados, Ciro Gomes receita, bem à moda Ciro Gomes: “Genérico de calmante neles.”