14/11/2002 - 10:00
Gabriel Chalita, 33 anos, era ainda um adolescente quando começou a lecionar em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo. Nem sonhava se tornar um dos mais jovens secretários de Educação do Estado. Hoje, mestre em direito e em ciências sociais e doutor em comunicação, acaba de publicar pela Atual Editora seu 34º livro, Histórias de professores que ninguém contou (mas que todo mundo conhece), e ainda traz no olhar o brilho idealista dos recém-formados. Convencimento e sedução – no bom sentido, como diz –
são as armas usadas para enfrentar um professorado ansioso por segurança e motivação e as muitas críticas à progressão continuada. Tema constante na campanha eleitoral que deu ao governador Geraldo Alckmin a reeleição, o sistema de ensino em dois ciclos prevê possível retenção de alunos apenas de quatro em quatro anos. O trabalho não
é pequeno. Em toda a rede do Estado, são 300 mil funcionários,
6,1 mil escolas e 6,1 milhões de alunos. Antes de assumir a pasta
em abril, Chalita testou seu arsenal nos cinco meses em que foi secretário da Infância e da Juventude. Ele entrava na Febem, sentava
no chão e tocava violão com os meninos. “Acredito no vínculo afetivo, com ele não há desrespeito”, afirma. Sua bandeira é justamente a educação com afeto e por ela tem feito um trabalho de formiguinha.
Vai pessoalmente às escolas e às diretorias de ensino. Para disseminar suas idéias e atrair para si o professorado de todo o Estado, adotou
a teleconferência. Ocasião para opinar e tirar dúvidas. A abertura
para a discussão é certamente um legado de seus anos de ativista
em diversas ONGs, entre elas a Juventude Latino Americana pela Democracia (Julad). Avesso a formalidades, Chalita se autodefine
um educador. Um educador fazendo política.
É a educação em três grandes habilidades:
a cognitiva, desenvolvida com o conteúdo; a social, que trabalha
a relação interpessoal; e a afetiva, responsável pela formação
interna da pessoa. Significa ajudar o aluno a ser equilibrado, a
trabalhar com emoções, medos, traumas, baixa auto-estima.
Os programas nas áreas cultural e esportiva propiciam
isso. E principalmente a capacitação do professor. O vínculo
afetivo se faz com detalhes como chamar o aluno pelo nome
ou olhar para ele quando se fala.
O que estressa o professor é lidar com alunos tão diferentes. Colocamos câmaras, alarmes e vigias na escola, aumentamos as rondas. Isso melhora a vigilância, mas o importante é preparar o professor. Tratar com ele temas como a vulnerabilidade do adolescente.
Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado
indicam que as ocorrências na escola ou no entorno significam
apenas 0,02% da criminalidade em São Paulo. As regiões
periféricas têm a escola como centro de luz.
Se pegarmos o índice de violência nas escolas nos Estados Unidos, na Alemanha, em Israel, é igual. O jovem é vulnerável em todo lugar. Tráfico e crimes são questões de segurança pública. Para outras ocorrências, a solução está na prática pedagógica. Pegar um pichador e transformá-lo em grafiteiro é uma solução pedagógica. Muitas escolas zeraram a violência com a participação comunitária.
Adotamos a teleconferência para conversar com os professores. Eles nos assistem ao vivo, falam sobre os seus problemas por fax, e-mail ou telefone, e nós respondemos. Além disso, estive em
79 das 89 diretorias de ensino. Cada visita reúne de 1.500 a 2.000 professores e o grande conceito é a educação efetiva. Percebemos por esses contatos que o ambiente está mudando. São mil escolas abertas nos finais de semana, 400 unidades-pólo no Parceiros do Futuro, programa no qual, junto com a Secretaria da Cultura, da Saúde e da Juventude, fazemos oficinas. Pode ser uma padaria artesanal para os pais. O investimento no Parceiros este ano chegará a R$ 10 milhões.
O importante é que a escola tem autonomia e nada é imposto.
O foco tem que estar na proposta pedagógica. Lançamos
a idéia do coral de Natal. Isso sai no site da secretaria, vira assunto
das visitas e eles começam a incorporar a idéia. O processo educativo não pode ser imposto. O mesmo se dá com o professor. Se ele não acredita na proposta, ele faz o que quer. É a liberdade de cátedra.
Tem que ser um processo de envolvimento, por isso fazemos visitas, levamos propostas, analisamos a história da educação. Mostramos
o que está acontecendo nos outros países e no resto do Brasil. Lembramos sempre que a palavra sabor e saber têm a mesma origem.
É preciso fazer o aluno gostar do que está fazendo.
É maravilhoso que eles estejam na mesma sala com outros alunos. O mundo é heterogêneo. Todos ganham com a convivência solidária. Não é fácil convencer as pessoas. É um processo. Temos o Centro de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais, todo dia tem curso para o professor lá. Ele tem que ver que a habilidade cognitiva
não é a única. O processo de aprendizagem é diferente para cada um. Entender isso é o grande desafio da escola neste século.
O grande aspecto desse sistema é a avaliação contínua,
é trabalhar de forma heterogênea com o aluno e não dividir conhecimento. Não se pode fazer um ciclo em vez de uma série?
Essa foi a discussão na Inglaterra em 1944. O problema é que
mexe com o mito de poder do professor. Antes, o professor
dizia: faça isso, senão lhe dou zero. Agora não.
Esse analfabetismo não aparece no Saresp, exame feito
pela Unicamp e pela Unesp, que avalia alunos de quarta a oitava
séries. Hoje, a média de aprovação é de 56%. No ano que vem,
ele será feito em todas as séries, mas não servirá para reprovar
alunos, e sim como meio de diagnóstico. Por ele, saberemos que
escolas estão com mais deficiências. A idéia é reformulá-lo para
que avalie habilidades. O aluno precisa ser alfabetizado, mas precisa saber falar, então é importante a prova oral. Precisa trabalhar em
grupo, então tem que ter prova em grupo. Tem que saber pesquisar. Estamos subsidiando a compra de 100 mil computadores para o
professor ter o seu, em casa. Damos R$ 900 (50%) e a outra metade, financiamos. Eles precisam saber usar a internet para ensinar a pesquisar. Não há aprendizado na reprovação pura e simples.
Em São Paulo, apenas 20% dos professores dão nota
abaixo de 5 para a progressão. Em Minas, 60% das escolas
adotam o sistema. Em Goiás, 40%. É a tendência mundial. Se
o aluno pensa que está tudo bem porque ele não será reprovado,
é o professor quem tem de mudar a cabeça dele.
Seria ótimo, principalmente se nesse outro período o foco
fosse artes, teatro, esportes. No ano que vem, as aulas de educação física e artística no ensino fundamental serão separadas. Eram quatro horas, já fomos para cinco e vamos aumentar mais uma. Essa é a tendência, mas depende de fatores financeiros e não pedagógicos.
Eu dirigi o Pueri Domus e o Pentágono, duas escolas particulares, e nas duas havia horário integral. A mensalidade dobrava, mas era ótimo. O aluno fazia oratória, teatro, balé, judô, natação, mas isso custa de R$ 1,3 mil a R$ 1,5 mil por mês. O entrave é dinheiro. A Lei de Responsabilidade Fiscal é ótima (antes cada administrador deixava o Estado arrasado para o outro), mas engessa. Ela determina que o Estado não pode gastar mais do que 49% do Orçamento em folha de pagamento. Educação já é a maior porcentagem – 30%. São R$ 6 bilhões e meio (2,5 de inativos e 4 bilhões de ativos). No ano que vem, serão R$ 12 bilhões. O salário dos professores subiu 5% em maio. Há dinheiro para outro aumento, mas não podemos passar dos 49%.
Se o governo já alcançou os 49% não pode aumentar. A conta dos inativos é um problema. Se a reforma previdenciária não vier, será o caos. O direito dos inativos é inalienável, mas poderíamos rever alguns pontos. Por exemplo, a pessoa começa a dar aula na Universidade de São Paulo com 25 anos e se aposenta aos 50 com salário integral. Aí vai dar aula na particular. O benefício não é só para quem se aposenta, é para a esposa, para a filha que não casa e por aí vai. Vai chegar uma hora em que nenhum Estado vai conseguir sustentar isso.
Nós temos o programa Profissão, que o aluno faz logo depois
do ensino médio. Investimos nisso R$ 50 milhões anuais e temos 50 mil alunos. O programa ajuda a escolher a profissão e a ter o primeiro emprego. Há também previsão de expansão da USP, Unesp e Unicamp.
Eles tem universidade de graça, um privilégio que não
querem dividir. É a idéia do “garanto o meu”. Com contratação
de professores, não tem como perder qualidade.
O Estado precisa resolver o ensino fundamental e o
médio. Essa é a prioridade. Mas temos planos para a Unesp crescer
no interior, a Unicamp, na região metropolitana de Campinas, e a
USP ter outro campus na zona leste da cidade. Serão R$ 69 milhõe
s para o aumento das três universidades já no ano que vem,
além dos cerca de R$ 1 bilhão que recebem.
Vestibular é uma coisa do passado, mas ainda tem que ser feito. Poucos países adotam esse sistema. Algumas universidades – a USP, a PUC – começaram a substituir decoreba por habilidade. Mesmo assim, excelentes profissionais, se submetidos a este exame, talvez não passem. Como exame, o Enem é bom. Avalia habilidades, manda para a casa do aluno o resultado, comentado. É um processo sofisticado.
Em princípio, contra, porque pode estigmatizar. Como
medida transitória pode ser interessante, mas é preciso melhora
r o ensino médio. O aluno tem que pensar “entrei porque sou capaz”.
O maior desafio do processo educativo é acabar com o preconceito.
Os filósofos da educação dizem que estamos na era da pedagogia
da gentileza, ou seja a afetiva, é o respeito, independentemente
de diferenças, sem verdades absolutas.
A Unicamp está capacitando quatro mil professores para
o ensino religioso. Isso é importante, senão o professor dá aula da religião dele. Na educação sexual, que é tema transversal, fizemos
uma parceria para fornecer um kit de capacitação. O programa
chama Prazer em Conhecer. Discutir sexualidade é falar de afetividade. Na prevenção contra as drogas, fizemos outra parceria, sempre
nesse caminho afetivo. É preciso seduzir o aluno, porque o
traficante seduz e, se você for conselheiro, não resolve.
É criar vínculos. Quando comecei a dar aulas na universidade, era muito cdf. Dei uma bronca na turma por causa dos erros de português. Aí uma senhora disse: “Professor, o senhor não pode nos ensinar?” Eu retruquei que estava ali para dar filosofia do direito. Outro aluno levantou: “Todo professor diz a mesma coisa. Ninguém pode ensinar a gente?” Conclusão: comecei a dar aula de redação aos domingos. Era muito prazeroso. Tinha até bacalhoada no final da aula. Vínculo é isso. O professor tem que ser bem pago, mas tem de saber que o seu trabalho é de transformação. Alguns desses alunos estão fazendo mestrado na PUC, um tem 80 anos. Na defesa de tese dele, tive medo que tivesse um infarto. Foi aprovado. Depois, me disse: “Professor, me orienta no doutorado?” 80 anos, é bárbaro! É preciso contagiar os professores. Tem problemas? Manda e-mail para a secretaria. A gente dá um jeito. Mas não desconta no aluno. A sala de aula é sagrada.