Ele não é negro e seu apelido não é Buscapé. Mas o fotógrafo free-lancer José Wilson dos Santos, 41 anos, é a versão em carne e osso do personagem-narrador do filme campeão de bilheteria Cidade de Deus, dirigido por Fernando Meirelles e Katia Lund. Na realidade, muitas cenas vistas na tela foram vividas por Santos, como as tentativas frustradas de se tornar assaltante depois de planejar com um amigo os roubos de um ônibus, de uma lanchonete e de um motorista. A ficção também copiou a realidade no episódio em que Buscapé é demitido do supermercado onde trabalhava, sob a acusação de conivência com assaltantes da favela que limparam as prateleiras. “Eu não quis identificar ninguém e me mandaram embora”, recorda Santos. Nos becos da favela, ele conheceu os chefões do tráfico retratados no filme: Mané Galinha, Zé Pequeno e Bené. Contou, então, suas histórias a Paulo Lins, autor do livro que deu origem ao filme. A este material, Lins adicionou o tempero da imaginação e criou Buscapé.

Além da atrapalhada tentativa de ingressar na vida do crime e da demissão do supermercado, José Wilson dos Santos ainda viveu o desconforto de estar entre dois fogos de quadrilhas rivais. Também
fez curso para salva-vidas. Mas em outros pontos o caminho do
Buscapé de Cidade de Deus é bem diferente da trajetória real de
Santos. Ele conta que seu pai era taxista, e não peixeiro, e não
teve irmão bandido. Igualmente afirma nunca ter existido a tal foto
dos traficantes publicada no jornal. “O Paulo Lins usou muitas histórias que contei para ele, mas o Buscapé é um personagem de ficção. Saiu
da cabeça dele.” Dos bandidões do filme, era com Bené seu maior contato. “Ele não andava armado, falava baixo, usava roupas coloridas
e pintava o cabelo. Era respeitado por muita gente”, conta.

O fotógrafo gostou do livro, achou a fita tecnicamente bem feita,
mas reclama do esquecimento. “Não recebi sequer convite para a pré-estréia e não sou citado nos créditos. Faltou consideração”,
lamenta. Surpreso, Paulo Lins diz estranhar a reivindicação de Santos. “Ele me pediu várias vezes para não associá-lo ao personagem Buscapé. Disse que não queria carregar essa imagem”, justifica. Santos elogia
o escritor e confirma que realmente não pensava em se mostrar ao
público, mas esperava pelo menos um gesto de cordialidade do diretor
e dos produtores. “Estariam dando uma satisfação a mim, aos amigos
da Cidade de Deus”, cobra. A realidade nem sempre imita a ficção.