Neto e herdeiro do senador prega união do grupo e diz que oposição errou ao interditar debate sobre o impeachment

antoniocarlos1_7.jpg

A diferença de idade é de 51 anos, quase todo o tempo de vida política do exsenador Antônio Carlos Magalhães, que morreu há um mês. Com 28 anos e carregando o mesmo nome e a sigla ACM de seu avô, o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto tem a tarefa de tentar manter viva a chama do "carlismo", o movimento político que se aglutinou em torno da pessoa de ACM. Para ACM Neto, apesar das divergências e disputas internas que hoje ameaçam o grupo, o carlismo sobreviverá. Antes de tudo, até por uma razão pragmática: é melhor para os carlistas permanecerem juntos. Nos últimos dias, o deputado vem se dedicando a convencer seu grupo dessa necessidade e se sobressai na disputa para se tornar, de fato, o herdeiro político do avô. No caso, ele se espelha no governador mineiro Aécio Neves. Quando seu avô, Tancredo, morreu, Aécio nem sequer era deputado e hoje é précandidato à Presidência. No momento em que a discussão sobre o escândalo do mensalão é retomada, ACM Neto – que integrou a CPI dos Correios, responsável pela descoberta de boa parte do esquema – avalia que a oposição cometeu um erro estratégico grave quando lidou com a possibilidade de impeachment de Lula.

antoniocarlos2_7.jpg

”A derrota (para Jaques Wagner) foi pedagógica. Mostrou que o único caminho para sermos de novo alternativa de poder é a união"

 

antoniocarlos3_7.jpg

"Não sou contra a transposição do São Francisco porque é tocada por Geddel, mas porque não é bom para a Bahia nem para o Brasil”

ISTOÉ – O carlismo morreu com o senador Antônio Carlos Magalhães?
ACM Neto

ACM Neto – Não. O senador Antônio Carlos é insubstituível. Não vai existir nenhum outro político, na Bahia de hoje, que possa exercer a liderança que ele exerceu. Mas o carlismo sobrevive, como ideário e como elemento de unidade de um grupo político.
 

ISTOÉ – E o que define o carlismo?
ACM Neto

ACM Neto – É um estilo de trabalho que o senador empreendeu e construiu. E que fica para as gerações que vão sucedê- lo. Duas marcas, na minha opinião, são muito fortes desse estilo: primeiro, a luta e a defesa intransigente dos interesses da Bahia. Deixar muito claro que é função de todo político que milita nesse grupo lutar pelo seu Estado de maneira agressiva. A segunda marca importante é ter capacidade administrativa e ser reconhecido por isso. Isso vai sobreviver à passagem do senador. E sobrevive um grupo de pessoas que ele descobriu, formou e projetou, e que estão comprometidas a dar continuidade a esse trabalho.
 

ISTOÉ – Existe um ambiente de disputa dentro do grupo. A ausência do senador não pode fragmentar de vez o carlismo?
ACM Neto

ACM Neto – Acho que a ausência física do senador terá, sim, uma conseqüência. Eu digo que o carlismo sobrevive, mas não na forma como esse carlismo se expressou na política baiana. Nos últimos 30 anos, houve na Bahia uma polarização: de um lado, os carlistas, do outro, os anticarlistas. Essa polarização, essa disputa acirrada de grupos, ela não sobrevive. A política da Bahia vai passar por uma nova dinâmica e novos desenhos. Agora, a interlocução entre os vários segmentos políticos da Bahia se dará de uma forma mais intensa e menos radical. Assim, os desenhos políticos que se construirão daqui para a frente, a médio e longo prazos, poderão ser bem diferentes dos atuais.

ISTOÉ – Mas como administrar a disputa dentro do carlismo?
ACM Neto

ACM Neto – Internamente, eu diria que todo grupo político tem suas divergências. No nosso caso, depois de exercer ininterruptamente o poder por 16 anos, era impossível você imaginar que alguns problemas internos não aflorassem. Isso é normal da democracia. É até necessário esse contraditório para que um grupo possa se aperfeiçoar. A despeito de poder existir diferenças internas, pensamentos distintos e eventuais divergências, existe um compromisso maior, um desejo maior de preservar essa unidade. Um sentimento de que nós ganhamos mais permanecendo unidos. Nós perdemos no ano passado, a derrota foi pedagógica, nos fez reconhecer erros que estávamos cometendo. E nos mostrou que o único caminho para sermos de novo alternativa de poder no futuro é estarmos unidos. Desde o falecimento do senador, eu tenho pregado isso com muita intensidade dentro do grupo. A divergência é bemvinda, mas há um momento em que deve haver cessão das partes na busca de um consenso.

ISTOÉ – O sr. não é ainda muito novo para se tornar o principal herdeiro de ACM?
ACM Neto

ACM Neto – Embora eu ache inútil essa discussão sobre quem é o principal herdeiro do carlismo, eu creio, ao contrário, que a idade é a principal vantagem que eu tenho. Porque eu tenho tempo. O tempo só não conspira a favor de quem não sabe esperar. Quando Tancredo Neves morreu, o governador de Minas, Aécio, seu neto, nem deputado federal era e hoje é précandidato à Presidência da República.
 

ISTOÉ – Como ficam as relações com os expoentes atuais do anticarlismo, o governador Jaques Wagner e o ministro Geddel Vieira Lima?
ACM Neto

ACM Neto – Fica uma relação de oposição política, mas com respeito e possibilidade de diálogo. Sempre estarei aberto ao diálogo com eles e com qualquer outra corrente política da Bahia. O senador Antônio Carlos Jr., que sucedeu ACM no Senado, pensa da mesma forma. Tudo o que for importante para a Bahia merece o diálogo suprapartidário. E nós sempre temos que ter em mente a necessidade de separar as relações políticas das relações pessoais. Eu posso ser um adversário ferrenho, crítico, duro, mantendo um tratamento cordial, respeitoso e até amistoso no campo pessoal.

ISTOÉ – Já o senador ACM preferia um combate mais duro com seus adversários e até entrava no campo pessoal quando fazia denúncias.
ACM Neto

ACM Neto – Não acho que nenhum tipo de paralelo nesse sentido deva ser estabelecido. Os momentos políticos são completamente distintos. É preciso entender a figura do senador ACM, seu estilo, dentro de uma determinada realidade. E a minha figura e meu estilo dentro de uma outra realidade. Eu sempre procurei fugir dessa tendência de fazer paralelos, seja com o senador ACM, seja com o deputado Luís Eduardo Magalhães. Eu tenho o meu estilo, o meu modo de operar.
 

ISTOÉ – O sr. não guarda dossiês?
ACM Neto

ACM Neto – O momento político atual leva a uma postura de discussão mais em torno das idéias, facilitando que se separe a divergência política da pessoal. Há alguns anos, isso era impossível de acontecer. Agora, é preciso se reconhecer uma virtude no comportamento do senador ACM: a sua capacidade de se reciclar. O senador foi se modernizando, foi se atualizando, revendo seus métodos de atuação política, renascendo e se refazendo. O ACM do século atual já não era o mesmo do século passado.

ISTOÉ – Qual é a influência do carlismo no DEM e na oposição?
ACM Neto

ACM Neto – O senador Antônio Carlos ajudou a construir o DEM. Foi para o PFL nos primeiros instantes em que o partido estava surgindo, no racha que levou à eleição de Tancredo Neves. Ele teve um papel fundamental naquele processo de redemocratização, o que fez com que ele se tornasse um dos principais expoentes do PFL. Pela sua popularidade e pelo êxito eleitoral, foi ampliando seu espaço de influência no partido. Uma história de mais de duas décadas de influência certamente deixa marcas importantes. Além disso, mesmo tendo perdido o governo da Bahia, somos um grupo representativo no DEM. Numericamente, somos a maior bancada estadual do partido, temos nove deputados. Na medida em que o grupo se mantiver coeso, a sua capacidade de influência tende a permanecer.
 

ISTOÉ – Como o DEM e o PSDB podem enfrentar o governo Lula, cuja popularidade parece atravessar incólume as crises e denúncias?
ACM Neto

ACM Neto – É fundamental ressaltar que não se deve esperar do DEM e do PSDB comportamentos iguais. Os partidos são diferentes, têm natureza distinta e quadros distintos. O PSDB, por exemplo, tem governos estaduais e isso lhe dá menos liberdade de atuação. O DEM só tem o governo do Distrito Federal, é hoje praticamente um partido do Congresso e, assim, pode fazer um discurso mais duro, fazer uma oposição mais radical. Agora, com relação ao governo Lula, nós não temos que ter medo de dizer o que é preciso, mesmo correndo o risco de sermos impopulares. Temos de questionar que modelo de país nós queremos: se um país onde prevaleça o mérito, o esforço pessoal, a vitória na vida por conta da luta, do trabalho, do estudo, ou um país onde a grande maioria da população viva dos favores do poder público. E, nisso, tanto PSDB quanto DEM podem estar juntos.

ISTOÉ – Mas é possível o eleitor acreditar nesse discurso de políticos que também eram assistencialistas quando estavam no poder?
ACM Neto

ACM Neto – O eleitor só pode acreditar nesse discurso vindo de partidos que tenham um pensamento mais liberal, mais moderno. Na Bahia, nós sempre casamos programas sociais com estratégias que permitissem crescimento econômico sustentado. O modelo do PT é o da única e exclusiva dependência do poder público.

ISTOÉ – E quanto à manutenção da aliança eleitoral entre DEM e PSDB?
ACM Neto

ACM Neto – Atuação conjunta não significa falar em aliança para 2010. O Democratas tem que pensar em ter candidato à Presidência da República. Time que não disputa campeonato não tem torcida. Mas, até lá, temos que fazer um enfrentamento com o governo, e, nisso, é fundamental um alinhamento entre os dois partidos. Estando na oposição, já somos uma minoria flagrante. Nós não podemos, assim, nos dividir no que se refere à estratégia no Parlamento.

ISTOÉ – É bom para a Bahia que uma das prioridades do governo – a transposição do rio São Francisco – seja tocada por um baiano (Geddel Vieira Lima)?
ACM Neto

ACM Neto – Não é bom nem para a Bahia nem para o Brasil. E não porque Geddel seja um adversário político do nosso grupo no Estado. Esse projeto é uma agressão e uma violência ao rio São Francisco. Eu conheço o rio de perto; conheço muitos municípios ribeirinhos ao São Francisco que não têm acesso às suas águas. Quem conhece o São Francisco sabe que ele está morrendo. O rio precisa de cuidados na sua situação atual. Imagine se as suas águas forem transpostas. É um projeto inviável dos pontos de vista operacional, econômico, ambiental e político.

ISTOÉ – O sr., que foi integrante da CPI dos Correios, que responsabilidade reputa ao presidente Lula?
ACM Neto

ACM Neto – Todas as pessoas próximas do presidente, seja na relação funcional, seja na sua relação pessoal, foram envolvidas. Ele não poderia permitir que tudo isso fosse construído sem que ele soubesse ou pudesse controlar. Agora, nem a CPI nem o MP enxergaram responsabilidade direta do presidente. Saber, ele sabia. Mas daí a ter mandado, ter determinado, ter planejado esse esquema, isso é uma incógnita.

ISTOÉ – Então, talvez tenha sido um erro ter chegado a se falar em impeachment? .
ACM Neto

ACM Neto – O erro foi nós termos proibido que esse assunto fosse discutido pela sociedade. O impeachment só poderia se dar com a soma de três fatores: fato jurídico concreto, respaldo político no Congresso e respaldo na sociedade. Podia até haver fato jurídico, mas nunca se conseguiu respaldo político e apoio da sociedade. Nós, da oposição, não poderíamos sair pelas ruas levantando diretamente a idéia do impeachment. Mas nós devíamos ter deixado o debate correr na sociedade. Aí, nós fizemos uma reunião para anunciar que não patrocinaríamos nenhuma discussão sobre impeachment. Nós não tínhamos mesmo que fazer isso. Ao dizer a coisa dessa forma, nós arrefecemos qualquer possibilidade de que esse assunto ganhasse peso na sociedade. Daí vem a dificuldade de manipular o andamento de uma crise como essa. Veio o escândalo do Severino Cavalcanti, o foco se desviou, o Poder Legislativo se desgastou e o brasileiro já não sabia mais em quem confiar. Erramos ao achar que podíamos administrar essa crise; o imprevisível é que domina uma crise dessas. Depois disso, a base governamental foi se recuperando, o que resultou na cassação de poucos e na reeleição do presidente