Universitária, bonita, nascida em berço privilegiado, Suzane Louise von Richthofen, 19 anos, tinha tudo para um futuro promissor. Boa aluna, até a quinta-feira 7 ela cursava o primeiro ano de direito na PUC de São Paulo, onde era vista pelas colegas como uma pessoa alegre e bastante simpática. Na madrugada da sexta-feira 8, porém, se tornou pública uma outra face de Suzane. Uma face extremamente cruel. Na sede da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Suzane confessou ter planejado e participado do brutal assassinato de seus pais. Na noite de 31 de outubro, o engenheiro Manfred Albert von Richthofen, 49 anos, diretor da Dersa, sobrinho-neto do lendário Barão Vermelho, e sua mulher, a psiquiatra Marísia von Richthofen, 50, foram mortos em casa, no Campo Belo, bairro nobre de São Paulo, com requintes de perversidade. “A violência do crime foi uma coisa pavorosa”, diz o promotor Marcelo Milani, que acompanhou a investigação. “O casal foi morto a pauladas, na cama, e ambos ficaram com os rostos desfigurados.” A cena ganha cores ainda mais macabras quando é descrita pelos próprios assassinos.

Além de Suzane, participaram do crime seu namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, 21 anos, e o irmão dele, Christian, 26. “Suzane disse que matou os pais por amor. Eles eram contra seu namoro com Daniel e há cerca de sete meses determinaram que ela deixasse a casa se quisesse ficar com o rapaz”, afirmou o delegado Domingos de Paula Neto, diretor do DHPP. “O plano da garota era ficar com a herança, estimada em US$ 1 milhão, e morar com o namorado na casa onde mataram os pais.” Nos depoimentos colhidos pela polícia, Suzane, Daniel e Christian contaram que o crime começou a ser planejado há cerca de dois meses. O primeiro passo para a barbárie foi a preparação das armas. Daniel, que não tem emprego e conseguia algum dinheiro vendendo aeromodelos para conhecidos, recheou duas barras de ferro com pedaços de madeira. Assim, obteve instrumentos pesados o suficiente para ferir mortalmente sem provocar barulho. Na noite do crime, tudo aconteceu como planejado. Suzane, que desde o início do ano mentia aos pais dizendo que estava dando aulas particulares à noite, saiu de casa por volta das 19 horas e foi para a casa do namorado. Às 22h30, Daniel passou na casa dos Richthofen e apanhou Andreas, 15 anos, filho mais novo do casal, que saiu escondido dos pais. A irmã, Suzane, havia prometido levá-lo a um Cybercafé num bairro próximo. Já com Andreas, Daniel pegou Suzane em sua casa e levaram o garoto para o lugar prometido, onde chegaram às 23h30. Com o irmão mais novo fora de casa, o caminho para o desfecho macabro estava livre.

Meias e luvas – Daniel e Suzane se encontraram com Christian, que já os aguardava perto da casa de Campo Belo. Usando o controle remoto, os três entraram na garagem e desativaram os alarmes da casa. Para ter a certeza que os pais dormiam, Suzane entrou e os comparsas esperaram no carro, enquanto usavam meias femininas para cobrir os rostos e evitar que fios de cabelo caíssem no local do crime, e colocavam luvas cirúrgicas para não deixar impressões digitais. “As luvas foram retiradas dos pertences de Marísia pela própria Suzane”, diz o delegado Paula Neto. Quando a garota constatou que os pais estavam realmente dormindo, acendeu a luz do corredor. Daniel e Christian subiram para o quarto do casal e atacaram. Daniel atingiu a cabeça do engenheiro, que não esboçou nenhuma reação. Christian atacou Marísia, que ainda tentou se defender protegendo o rosto com as mãos. “Ela colocou as mãos na frente da cara, mas não adiantou nada. Depois de desacordada, coloquei uma toalha em sua boca, cobri a cabeça com um saco de lixo e apertei seu pescoço”, contou Christian à polícia. O rapaz é dono de um perfil complicado. Desempregado, ele morava com a avó em um edifício de classe média alta e costumava consertar motos de amigos. Agressivo, segundo vizinhos adorava contar vantagens e exibir-se para os colegas. Sonhava virar herói da PM trabalhando para o Grupo de Operações Especiais. Era uma espécie de Rambo. Daniel, a exemplo do que fez o irmão, também cobriu a cabeça de Manfred, só que com uma toalha.

Enquanto seus pais eram mortos, Suzane esperava no térreo. Separou sacos de lixo para guardarem os porretes, as meias e as luvas e ainda pegou uma faca na cozinha para abrir a maleta onde estava guardado dinheiro e jóias. No quarto do casal, Daniel e Christian abriram o fundo falso do closet e retiraram dele a maleta e um revólver calibre 38. A arma foi deixada ao lado do corpo do engenheiro sem que nenhum disparo fosse efetuado. A maleta foi aberta na biblioteca, já na presença de Suzane. Levaram R$ 8 mil, US$ 5 mil e mais uma quantia em euros. Dividiram o dinheiro, guardaram tudo o que foi usado para o crime em um saco, reviraram a biblioteca com a pretensão de forjar um latrocínio e saíram. Jogaram o saco em uma caçamba de entulho na avenida Ibirapuera. Christian foi encontrar alguns amigos. Daniel e Suzane foram para o Motel Colonial, não muito distante do Campo Belo, onde deram entrada à 1h36 e gastaram R$ 350. O casal deixou o motel às 3h56. Passaram no Cybercafé e pegaram Andreas. Antes de voltarem para o local do crime, ainda passaram na casa de Daniel para que Andreas desse uma volta em uma Mobilete que mantinha guardada com o namorado da irmã sem que os pais soubessem. Por volta das 4h30, Daniel deixou Suzane e Andreas em casa, ocasião em que “oficialmente” foram descobertos os corpos de Manfred e Marísia.

Descobertas – Desde que foram encontrados os corpos, a polícia trabalhou com a hipótese de que o crime fora executado por alguém muito próximo das vítimas. A casa não tinha nenhum sinal de arrombamento, os alarmes estavam desligados, a arma do engenheiro não chegou a ser usada e apenas a biblioteca estava revirada, embora o que fora roubado estivesse na suíte do casal. “Também estranhamos o fato de Suzane não derramar nenhuma lágrima em nenhum dos dois depoimentos que prestou. Ela apenas ficava agarrada ao namorado e mostrava uma incrível frieza para quem acabara de perder pai e mãe de forma dramática”, lembra o delegado Paula Neto. Além disso, os depoimentos eram cheios de contradições. Christian disse que na noite do crime estava na casa de sua namorada. Ela, porém, afirmou que teria encontrado com ele após as 2h. Suzane e Daniel, por sua vez, não conseguiram explicar o que teriam feito entre as 23h30 – horário em que Andreas entrou no Cybercafé – e 1h36, quando entraram no motel. Com essas suspeitas, a polícia grampeou os telefones de Suzane e Daniel. Na maior parte das conversas gravadas, Daniel diz para a namorada manter a calma, que tudo terminaria bem. Em uma das conversas, porém, Daniel diz que Christian estava eufórico, pois tinha comprado uma moto espetacular. Foi a compra da moto que levou ao esclarecimento do crime. Na terça-feira 5, policiais avistaram na casa de Daniel uma Suzuki 1100 cilindradas. Chegaram ao antigo proprietário, que afirmou ter feito a venda para um tal de Jorge, que teria pago em notas de US$ 100. Jorge confirmou que a Suzuki era de Christian, que lhe dera o dinheiro. Pressionado, Christian confessou a participação no assassinato. Em seguida, Daniel e Suzane também confessaram.

Segundo a polícia, Daniel e Suzane são usuários de maconha. Christian já teria passagens na polícia por dependência química (cocaína). Na tarde da sexta-feira 8, Suzane foi levada para uma delegacia no Portal do Morumbi. Daniel e Christian foram transferidos para outra delegacia em Santa Cecília, na zona oeste. “A frieza com que eles narraram os assassinatos foi incrível”, disse o delegado Paula Neto. “Ela não derramou uma lágrima nem mesmo quando confessou o crime.”

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Se para a polícia a autoria do assassinato dos Richthofen não foi nenhuma surpresa, o mesmo não se pode dizer em relação aos conhecidos da família. Para a vizinhança, Manfred e Marísia constituíam uma família feliz. Os companheiros de Suzane na faculdade também pensavam assim. “Ela tinha alguns desentendimentos com os pais, mas nada anormal”, disse um colega de classe. Compreender o que leva um filho a matar os próprios pais é um desafio. Independentemente das explicações que possam ser dadas, o presidente do STF, Marco Aurélio de Mello, considera o crime hediondo e diz que casos como esse exigem justiça rápida. “O julgamento deve sofrer o impacto da reação da sociedade”, conclui.

Colaboraram: Celina Côrtes, Hélio Contreiras e Liana Melo (RJ); Carla Gullo, Célia Chaim, Cláudia Pinho, Henrique Fruet, Ines Garçoni, Juliana Vilas e Laura Ancona Lopez (SP)

A medicina explica ?

A psiquiatria já conseguiu descrever comportamentos comuns a autores de barbáries como o crime do Brooklin. Parte deles tem transtorno de personalidade. Não é uma doença, mas um problema caracterizado pela indiferença em relação aos sentimentos alheios. “O portador é frio, persiste em ser irresponsável, apresenta baixa tolerância à frustração e a respostas agressivas, tem incapacidade
de se sentir culpado e infringe regras”, explica o psiquiatra José Del Porto. Não se sabe a causa do transtorno. Segundo os especialistas, nem sempre fatores ambientais o deflagram. Os médicos afirmam, porém, que esses indivíduos têm consciência do crime. “Muitos planejam o ato”, afirma Sérgio Rigonatti, especialista em psiquiatria forense. É difícil perceber se alguém tem o problema. A frieza de Suzane levanta a suspeita de que a jovem tenha o tal distúrbio. “
Por ser psiquiatra, a mãe até poderia notar o transtorno, mas
qualquer pessoa teria dificuldade em imaginar que um filho pudesse cometer um crime desses”, diz Marco Antônio Brasil, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Não há tratamento. “Se alguém disser que criou uma técnica para tratar uma personalidade psicopática, receberá o Prêmio Nobel de Medicina”, comenta o psiquiatra Rubens Pitliuk. “Não adianta medicalizar a questão. A sociedade tem de rever seus valores. Não existe mais o bem e
o mal, o certo e o errado”, analisa o psicanalista Jorges Forbes.

Barbárie em família

Março de 1970 – O estudante Marcelino Souto Maia Neto, então com 20 anos, matou o pai, a mãe, um de seus irmãos e a avó em sua casa em Salvador. Motivo alegado: queria receber a herança da família.

 

Janeiro de 1985 – O estudante Roberto Peukert Valente, então com 18 anos, matou a tiros e facadas
os pais e os três irmãos em São Paulo. Motivo alegado: a mãe sempre reclamava que ele ouvia música
num volume muito alto. Na madrugada do crime,
ela pediu que ele abaixasse o som.

Janeiro de 1993 – O comerciante Constantino Cheretis, com 20 anos, matou os pais em São Paulo com golpes de faca e punhal. Antes do crime, discutira violentamente com a namorada. Motivo alegado: apanhava do pai e era desrespeitado pela família.

Setembro do 1994 – O estudante Gustavo Pissardo matou, aos 22 anos, o pai, a mãe e a irmã na cidade de São José dos Campos. Após esses crimes, dirigiu o próprio carro até Campinas. Relatou os assassinatos a seus avós e em seguida também os matou. Motivo alegado: não soube explicar seu comportamento.


Outubro de 1996 – O estudante de medicina Haroldo Alves de Andrade Filho, na época com 22 anos, degolou os pais na cidade de Marília (SP) com ajuda de dois comparsas. Motivo alegado: queria ficar com o dinheiro do seguro de vida da família.

Março de 2002 – O desempregado Carlos Fabiano Faccion, 24 anos, matou os pais e os três irmãos.
Feriu gravemente outro irmão e uma sobrinha. Foi
ajudado no crime pela namorada Edna Milani. Motivo
alegado: não soube explicar seu comportamento.

O mistério da rua cuba

Na véspera do Natal de 1988, um sobrado no número 109 da rua Cuba, num dos bairros mais nobres de São Paulo, entrou para a crônica policial como palco de um dos crimes mais misteriosos já ocorridos no País. O advogado Jorge Toufic Bouchabki e sua mulher, a professora Márcia Cecília Bouchabki, foram mortos a tiros na casa onde moravam. O autor do assassinato nunca foi descoberto pela polícia. Na época, as suspeitas recaíram sobre o filho mais velho, Jorge Delmanto Bouchabki, o Jorginho, então um estudante de 19 anos. Ele foi acusado duas vezes pelo Ministério Público, mas a Justiça decidiu pelo arquivamento do processo por falta de provas contra o jovem. Na época, houve suspeitas de que o cenário do crime tenha sido adulterado, o que dificultou a resolução do caso.

Ás aristocrata

Cláudio Camargo

O legendário Barão Vermelho, tio-avô de Manfred Richthofen, foi o maior ás da aviação alemã, abatendo nada menos que 80 aeronaves durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando o avião foi usado pela primeira vez como arma de combate. Filho de uma aristocrática
família prussiana com tradição militar, Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen (foto) nasceu em 2 de maio de 1892 em Breslau, na Prússia, hoje Polônia. A
guerra estourou em agosto de 1914 e
Von Richthofen teve seu batismo de fogo como oficial de cavalaria.

A curiosidade levou o jovem tenente a transferir-se para o Serviço Aéreo, embrião da Luftwaffe (Força Aérea alemã). Em pouco
tempo, ele se transformou no terror dos aliados. Em janeiro de 1917, aos 24 anos, o capitão Richthofen passou a comandar o esquadrão Jagdstaffel 11, baseado em Douai, na França. Ganhou seu
apelido depois de ter pintado seu avião todo de vermelho, uma homenagem à cor do estandarte de seu antigo regimento de
cavalaria. Como os outros pilotos também pintaram seus aviões
com cores variadas, o Jagdstafell 11 ficou conhecido como “
Circo Richthofen” ou “Circo Voador”.

O frio e temível caçador aéreo, que fez da luta nos céus uma extensão de sua paixão pela caça e dizia sentir prazer em abater o inimigo, entretanto, fora criado nas regras do cavalheirismo militar aristocrático. Chegou a fazer de um piloto inimigo derrubado um convidado de honra de seu esquadrão. A 21 de abril de 1918, Manfred von Richthofen foi alvejado por um avião canadense sobre Vaux sur Somme (França). Os britânicos lhe prestaram honras militares.
 

 

 



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