Bin Laden não tem nada a ver com a tragédia: a Justiça deve desligar os aparelhos da Transbrasil na terça-feira 9. A falência da empresa aérea, que não levanta vôo há quatro meses e não paga salários há seis – exatamente quando o atentado terrorista pôs no chão as torres do World Trade Center em Nova York e a rentabilidade da aviação comercial no mundo –, foi pedida pela General Electric, credora de R$ 5 milhões (a dívida total da empresa chega a R$ 1 bilhão). Mais que um mero ato burocrático,
o julgamento da falência encerra o ciclo da derrocada da empresa
e inicia a fase do acerto de contas com os funcionários, os credores privados e o governo.

O patrimônio da família Fontana – principal acionista da empresa – e, especialmente, o do presidente Antonio Celso Cipriani – dono de uma fortuna estimada em até US$ 300 milhões – passam a correr riscos. O Bin Laden da história, no caso, foi um ex-policial do Dops durante os “anos de chumbo” que entrou na Transbrasil como segurança: o próprio Cipriani, que começou a galgar posições na empresa quando se casou com uma das filhas do fundador, Omar Fontana. Foi o azar da Transbrasil. Cipriani quebrou a empresa para ficar milionário.

A Transbrasil entra para a história da aviação ao lado de gente grande, como a Swissair, ícone do glamour e da qualidade suíça no transporte aéreo durante seus 70 anos de vida, que, no domingo 31, fez um último vôo simbólico, partindo de Zurique rumo à Cidade do Cabo – a mesma rota realizada na inauguração da companhia. Até o fim do ano, o processo de encerramento da empresa – que fechou as portas em outubro deixando dívidas de US$ 7,5 bilhões – estará concluído. Se contar a verdade, a história não poderá atribuir sua falência às consequências de 11 de setembro, e sim a uma estratégia expansionista inadequada que sua sucessora, a Swiss, rejeita desde a sua estréia mundial a partir do aeroporto de Zurique, em 1º de abril.

A Swiss nasceu às pressas, com um capital de US$ 1,58 bilhão levantado em duas semanas, operação de dimensão inédita que juntou o governo (que tem 38% da empresa), indústrias, bancos, investidores privados e o próprio povo suíço. Surgida do esqueleto da Crossair, subsidiária regional da Swissair, a empresa, que tem 62% de participação do setor privado, aprendeu a lição: vai cortar 30% das rotas da Swissair e se manter esbelta como uma modelo francesa. O diretor da companhia no Brasil, Markus Altenbach, é cauteloso: “Vamos começar por São Paulo e Rio e só quando as coisas se consolidarem pensaremos em outras rotas.” A favor dessa consolidação está o fato de a TAM e a Varig terem cancelado a rota para Zurique A Swiss voa com 80% de ocupação. “Queremos estar entre as melhores do mundo”, diz Altenbach.

Cenário sombrio – Não será fácil. No mundo pós-11 de setembro, a situação só é confortável para poucas companhias, como a Air France, que leva passageiros a Paris, o lugar mais visitado do mundo pelos turistas. A companhia francesa já anunciou que teve lucro no amargo 2001. Mas essa não é a regra do setor. Um estudo divulgado na semana passada pela agência de classificação de risco e consultoria Standard & Poors mostra um cenário “desagradável a longo prazo” para as companhias aéreas, especialmente nos EUA. “Em 2001 aconteceram as maiores perdas da história do setor e muitas empresas tomaram grandes quantias em empréstimos para continuar voando”, diz o autor do estudo, Jim Corridore. “Algumas talvez não sobrevivam sozinhas a 2002.”
A previsão de Corridore soa como um alerta às conclusões de um estudo interno realizado pelo BNDES a pedido do Ministério do Desenvolvimento, divulgado pelo jornal Valor na semana passada, segundo o qual a Varig e a Vasp estão tecnicamente insolventes. Questionado pelas empresas e confirmado pelo banco, o estudo caiu como uma bomba, anunciando que, no longo prazo, Varig e Vasp carregam dívidas que as inviabilizam. O relatório sugere um processo de capitalização das empresas e o fim das operações internacionais (ou a formação de um pool). Detalhe importante: sem ajuda governamental.

A Varig teve um prejuízo de R$ 408 milhões no ano passado. O patrimônio, negativo, chega a R$ 523 milhões. Parte da dívida, superior a R$ 2 bilhões, está sendo renegociada, assim como um aporte de capital estrangeiro de mais de R$ 1 bilhão. “A Varig não está insolvente”, disse o diretor Manuel Guedes. “Tem um endividamento, mas vai resolver, assim como está reduzindo seus custos operacionais.” O próprio BNDES poderá socorrer a Varig, adquirindo participação minoritária na empresa.
A Vasp, classificada pelo BNDES como “tecnicamente falida”, acumula prejuízo, até setembro de 2001, de R$ 383 milhões. Sua direção, porém, diz em nota oficial que nos próximos dias estará divulgando o lucro de 2001. O impossível, no setor, parece não ser tão impossível assim. Quem poderia imaginar que a cena final da Swissair seria a de milhares de passageiros abandonados pela companhia no aeroporto de Zurique, recebendo sopa e maçã do Exército da Salvação?