A galeria de traições na história brasileira foi inaugurada por Joaquim Silvério dos Reis, que entregou os companheiros da Inconfidência Mineira em troca do perdão de suas dívidas com a coroa portuguesa. Dois séculos se passaram desde então, mas os políticos brasileiros não conseguem apagar as heranças da colônia. Num insólito telefonema na quarta-feira 3, ao presidente do PMDB, Michel Temer (SP), o governador Itamar Franco (PMDB-MG) se oferecia para vice na chapa do tucano José Serra (PSDB-SP). “Gostaria de ter um encontro pessoal com você”, surpreendeu Itamar. “Quando o senhor quiser, presidente”, respondeu Temer. Nesse instante, o governador mineiro trocou a conhecida rabugice pela sabujice incomum: “Vamos parar com este tratamento formal. Vamos nos tratar por você”, sugeriu. Despediram-se após combinar a tal conversa pessoal, mas o presidente do PMDB fez tudo para evitar que este encontro ocorresse na quinta-feira 4, dois dias antes do prazo-limite para a desincompatibilização. Tudo normal se não fosse um detalhe. Itamar, até poucos dias atrás, estava em pé de guerra com a cúpula do PMDB e comandava um coro que desancava diariamente Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

A instabilidade é a marca do governador mineiro. Quando foi vice na chapa do presidente cassado Fernando Collor de Mello, Itamar chegou a renunciar cinco vezes durante a campanha, em 1989. Mais recentemente, numa reunião na casa do senador José Alencar (PL-MG), recebeu o aval do comando peemedebista para ser o candidato à Presidência. Uma semana depois, inesperadamente, saiu do PMDB para retornar meses depois, da mesma maneira: sem comunicar a ninguém. Por esse perfil errático, claro, a cúpula do PMDB não quer nem ouvir falar no nome do governador. Vetado, Itamar anunciou na quinta-feira 4 que ficaria mesmo no Palácio da Liberdade. Na guerra pelo Palácio do Planalto, também fez acenos na direção do PT e ainda prometeu apoio ao senador Pedro Simon (PMDB-RS), cuja candidatura presidencial foi relançada. Após os telefonemas de Serra e elogios públicos de Fernando Henrique, Itamar novamente deixou ex-aliados órfãos. “Foi uma frustração. Eu lamento, mas não quero falar sobre traição”, queixou-se o ex-presidente do PMDB Paes de Andrade (CE).

Toda a confusão começou quando o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), recusou o convite para dividir o palanque com Serra. Não quis arriscar uma reeleição confortável e, pior, também sofria vetos velados na cúpula do PMDB. Jarbas invocou razões paroquiais e
sua saída do páreo criou a primeira crise entre os aliados, reabrindo a bolsa de nomes para vice do tucano. “Foi muito ruim”, confessou Serra. “Até aqui é um furinho na canoa, mas, se não resolvermos isso rápido, pode fazer muita água”, reconheceu o líder do governo, Artur da Távola (PSDB-RJ). Mesmo conhecendo o fraco desempenho de Serra no Nordeste, os tucanos examinaram com FHC outros nomes do PMDB,
entre eles o prefeito de Joinville, Luiz Henrique, o presidente do Congresso, Ramez Tebet (MS), a deputada Rita Camata (ES), o
deputado Benito Gama (BA) e o senador Pedro Simon (RS). O próprio
FHC entrou no jogo para tentar esfriar a pressão da escolha do vice de Serra e superar a difícil convivência entre PMDB e PSDB nos Estados. Se a pacificação der certo, os caciques peemedebistas irão sugerir o nome do líder no Senado, Renan Calheiros (AL), que enfrenta resistência de tucanos paulistas e cearenses.

A temporada de infidelidades explícitas também deixou os comunistas tradicionais corados de vergonha. Na terça-feira 2, o mentor intelectual da campanha de Ciro Gomes (PPS-CE), o cientista político Mangabeira Unger, defendeu abertamente uma aliança entre os socialistas e os liberais do PFL. O artigo de Unger na Folha de S.Paulo foi muito elogiado em todas as reuniões do PFL, que continua sem saber o rumo a tomar após o bombardeio da candidatura da ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney (PFL). Mas, dentro do PPS, a idéia teve um efeito devastador. O presidente do partido, Roberto Freire (PE), radicalmente contra, deu um recado claro, também através de artigos encomendados, de que Ciro pode perder a legenda. “O PFL é um partido do passado e nós não temos nenhuma intenção de dar fôlego a essas especulações”, disparou Freire.

O PFL sabe que uma aliança com o PPS é difícil. Por isso, o presidente do partido, Jorge Bornhausen (PFL-SC), pediu ao governador do Paraná, Jaime Lerner, que se desincompatibilizasse para ficar em compasso de espera até uma aguardada desistência de Roseana, embora na sexta-feira 5 a cúpula pefelista, reunida em São Luís, tenha reafirmado que a candidatura é para valer. No encontro, que teve a presença de Bornhausen e do prefeito do Rio, César Maia, entre outros caciques, foi anunciado que os nomes das empresas que doaram os R$ 1,3 milhão encontrados na Lunus já haviam sido encaminhados ao STJ. Após renunciar ao governo, Roseana pretende descansar uns dias e depois mudar para Brasília, onde funcionará seu escritório eleitoral. É uma nova fase da campanha, mas o sucesso vai depender do impacto que as últimas ações de Roseana terão nas pesquisas eleitorais.

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