Em 1994, o cientista político italiano Norberto Bobbio escreveu um pequeno livro (Esquerda e direita: razões e significados de uma distinção política) no qual combatia a idéia de que os conceitos de “esquerda” e “direita” tinham sido sepultados nos escombros do muro de Berlim e da União Soviética. Nadando contra a corrente que acreditava no “fim da história”, o veterano pensador da esquerda moderada italiana argumentava que aquela polarização permanecia, ainda que escamoteada, no mundo pós-guerra fria. Bobbio foi duramente criticado, inclusive por pensadores de esquerda, muitos deles entusiasmados com a idéia de uma “terceira via” entre capitalismo e socialismo. Dois anos depois da publicação do livro, a esquerda italiana chegou ao poder pela primeira vez em 50 anos através da coalizão L’Ulivo “A Oliveira”. No governo, parecia que os herdeiros de Gramsci queriam desmentir a tese de Bobbio: sua política para ajustar a Itália ao figurino da União Européia dificilmente seria mais bem aplicada por um governo conservador. Foi preciso a ascensão de um governo de direita – o do atual premiê italiano Silvio Berlusconi, eleito em 2001 – para dar razão a Bobbio.

E a volta da polarização se deu no sentido clássico: de um lado, governo e empresários; do outro, sindicatos de trabalhadores – entidades que, aparentemente, tinham sido relegadas aos museus pela irresistível onda de globalização. Mas, pela primeira vez em 20 anos, as três maiores centrais sindicais da Itália (CGIL, pós-comunista; CISL, democrata-cristã; e UIL, centro-direita) convocaram uma greve geral de oito horas, marcada para o próximo dia 16, para protestar contra o projeto do governo de reforma trabalhista que, acusam as centrais, abrirá as portas para uma gigantesca onda de demissões. Uma manifestação convocada pelos sindicados no sábado 23 levou 700 mil pessoas às ruas de Roma. E o clima esquentou mais ainda nos últimos dias, depois que dois ministros, o das Reformas, Umberto Bossi, e o da Defesa, Antonio Martino, acusaram os sindicatos de conivência com o terrorismo. Na semana passada, um dos principais autores do projeto de reformas, Marco Biagi, foi assassinado, supostamente por integrantes das Brigadas Vermelhas, grupo terrorista de extrema esquerda que infernizou a vida dos políticos italianos nos anos 70. “Os sindicatos sempre foram alvo dos terroristas”, reagiu Sergio Cofferati, presidente da CGIL.

À direita, a expressão carismática desse renascimento político é o histriônico Berlusconi. Faltava à esquerda uma liderança equivalente. No início do mês, o diretor de cinema Nanni Moretti (O quarto do filho) escreveu um provocativo artigo “A bofetada de um eleitor” no L’Unità (antigo jornal dos comunistas) desancando a esquerda por sua inoperância e paralisia diante da agressividade política de Berlusconi. “Na centro-esquerda, necessitamos de alguém que, com sua autoridade, possa ganhar o eleitorado, alguém que saiba falar à alma, à cabeça e ao coração dos votantes. É necessário que as pessoas voltem a se sentir representadas.” E é justamente o presidente da CGIL, Sergio Cofferati, 54 anos, que parece preencher esse papel. Derrotado nas internas dos democratas de esquerda (ex-comunistas), Cofferati conseguiu reunir, na manifestação de sábado, todas as facções da centro-esquerda, proeza antes só obtida por Romano Prodi, chefe do primeiro governo da Oliveira.