Em 1985, o senador Fernando Henrique Cardoso, então no PMDB, chegou a comemorar sua eleição para a Prefeitura de São Paulo. Posou para fotógrafos na cadeira do prefeito e passou por um vexame histórico após a abertura das urnas. O ex-presidente Jânio Quadros, do PTB, o derrotou com pouco mais de um terço dos votos válidos quando ainda não havia segundo turno nas eleições. Dezessete anos depois, o candidato oficial do Palácio do Planalto à Presidência, o senador José Serra (PSDB-SP), pode estar cometendo o mesmo erro de FHC. Ele ainda não se instalou na cadeira presidencial, mas nos bastidores já se mexe como o senhorio do governo. Na próxima reforma ministerial de 6 de abril, imposta pela desincompatibilização dos que irão disputar as eleições, Serra parece, de fato, estar antecipando o figurino presidencial. Ele se movimenta para controlar ministérios estratégicos através de um núcleo de economistas vindos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao Ministério do Planejamento, onde Serra esteve por um ano e meio no começo do governo FHC.

Além deles, serão indicados técnicos muito ligados ao tucano e
políticos de partidos que já acertaram os ponteiros com o candidato
do PSDB, como o PMDB e o PPB. Os ministros interinos, que assumiram após a declaração de guerra do PFL, deverão ser efetivados. Outros
seis serão substituídos por aliados de Serra. Na nova safra, o traço comum é a afinidade com o candidato. “É público e notório que o Serra não mede métodos para atingir seus objetivos. É o típico caso em que
os fins justificam os meios”, critica o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP).

Governo paralelo – O novo esquadrão pró-Serra assume esta semana e deixa praticamente isolado um tradicional rival do tucano: o dono da chave do cofre, Pedro Malan, da Fazenda. Mas a nova tropa de choque vai controlar praticamente todo o orçamento federal. O ex-presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) Caio Carvalho deverá ser efetivado no comando do Ministério do Esporte e Turismo. O economista do IPEA José Cechin, um dos mentores do modelo de privatização do Sistema Telebrás, deverá ser confirmado no Ministério da Previdência. Uma alternativa pensada antes foi o remanejamento do secretário da Receita, Everardo Maciel, mas este não é amigo de Serra. Já para o Ministério do Planejamento irá o também economista do IPEA e professor de finanças públicas Guilherme Gomes Dias, muito ligado a um dos coordenadores de campanha de Serra, o prefeito de Vitória, Luís Paulo de Lucas Velloso (PSDB-ES). Ele substitui Martus Tavares (PSDB-CE), que desistiu de disputar a eleição e vai para uma diretoria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington. O secretário-executivo do Ministério do Trabalho, o economista Paulo Jobim, será o substituto do ministro Francisco Dornelles (PPB-RJ), tido como um serrista de carteirinha, que irá disputar a reeleição para deputado. Dornelles foi um dos principais articuladores da desistência de Pratini de Moraes (PPB-RS) em disputar à Presidência, para continuar como ministro da Agricultura. Para substituir Raul Jungmann (PMDB-PE) no Desenvolvimento Agrário, o nome mais cotado é o do ex-deputado José Abraão (PSDB-SP), também amigo de Serra. De outro lado, o candidato trabalha ainda para emplacar o empresário Pedro Piva, dono das Indústrias Klabin, no Ministério das Comunicações – que administra, entre outras coisas, cerca de R$ 2 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST). Piva foi procurado no último domingo pelo presidente do PSDB, José Aníbal (SP), e sondado para o ministério a pedido de FHC. Mas o atual líder do governo no Senado, Artur da Távola (PSDB-RJ), que tem dificuldades em se reeleger, também é cogitado para substituir o atual ministro Pimenta da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de Serra. Na disputa entre Piva e Távola, a dificuldade é saber qual dos dois é mais ligado a Serra. Para o lugar do secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto, o Palácio tenta novamente convencer o atual presidente da Itaipu Binacional, o ex-deputado Euclides Scalco (PSDB-PR), que já recusou o cargo por duas vezes. Mas em um flanco as articulações dos tucanos podem provocar uma grande confusão com o noivo recente, o PMDB. Os tucanos trabalham pela manutenção do ministro interino dos Transportes, Alderico Lima. Não é o que querem os caciques do PMDB. O partido já indicou para o cargo o deputado João Henrique (PI) e quer ainda mais um ministério. Com a permanência do secretário de Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis (PMDB-GO), o partido, agora, reivindica o Ministério da Justiça, cargo que o presidente FHC pretende preencher com um advogado dentro de sua cota pessoal, após a saída de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), candidato a deputado.

Nadando em dinheiro – Mais do que cartões de visitas e carros oficiais, os novos ministros estarão sentados numa montanha de dinheiro público para investimentos novos e pagamento de programas sociais do governo federal, como bolsa-renda, bolsa-escola e vale-gás, entre outros. Excluindo o pagamento de pessoal e dívidas, o orçamento de 2002, após os cortes, tem perto de R$ 50 bilhões para custeio e novos investimentos em todos os setores. Os ministérios que, tradicionalmente, são controlados pelos tucanos são os mais bem aquinhoados no Orçamento da União. Só o Ministério da Saúde, comandado pelo braço direito de Serra, Barjas Negri (PSDB-SP), tem cerca de R$ 22 bilhões de reais. Outro tucano, o ministro da Educação, Paulo Renato (SP), que vai ficar no cargo, tem R$ 7 bilhões em caixa para gastar até o dia 30 de junho, data-limite para liberação de recursos federais em obras. Os novos ministros, indicados por Serra, também têm somas vultosas para administrar. Na Previdência, são R$ 2,3 bilhões; nos Transportes, R$ 2,8 bilhões; na Agricultura, R$ 520 milhões; no Trabalho, R$ 685 milhões; e nas Comunicações, mais R$ 850 milhões. Na ponta do lápis, os aliados de Serra terão controle de, aproximadamente, 90% do dinheiro destinado a investimentos e programas sociais. “Vamos acompanhar a liberação de dinheiro do orçamento com lupa. Está claro que vão usar a máquina pública para tentar eleger o Serra”, protesta o deputado Régis Cavalcanti (AL), do PPS do candidato Ciro Gomes.

Mais mudanças – A safra de boas notícias para o candidato tucano vindas da área pública parece não ter fim. Esta semana o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) amenizou sua própria decisão de 26 de março, que obrigava a reprodução das coligações para presidente também nos Estados em nome do caráter nacional dos partidos. Agora os partidos que não tiverem candidato a presidente ou não se coligarem terão liberdade para fazer as alianças que desejarem nos Estados, e aqueles que se coligarem para presidente poderão lançar candidatos avulsos nos Estados. Esta decisão caiu como uma luva para o PMDB, convidado para indicar o vice de Serra e que tinha dificuldades em reproduzir a coligação em vários Estados. “Esta decisão pacifica politicamente. Para o PMDB, acho que cria problemas”, avalia o presidente do partido, Michel Temer (SP). “É uma contradição. Embaixo pode tudo. Mostra que são decisões políticas”, contesta o líder do PT no Senado, José Eduardo Dutra (SE). Prejudicados mesmo com a nova decisão do TSE foram o PT, que vê sua aliança com o PL mais distante, e o PFL, que pode optar pelas alianças estaduais. Com a queda de Roseana Sarney nas pesquisas, o PFL ainda está atônito. Mas uma das alternativas do partido é inventar a candidatura presidencial do empresário Silvio Santos, filiado ao partido desde 1992. O líder Inocêncio Oliveira (PFL-PE) mantém o mistério se o apresentador estaria cedendo aos apelos da direção do PFL para disputar a Presidência: “Onde há fumaça, há fogo, vamos esperar”, diz Inocêncio. Mas com toda esta confusão o País continua patinando. O Congresso há três semanas não vota nada e a gestão FHC corre o risco de acabar antes do tempo.