Até o próximo dia 21 de abril, a Organização para a Proscrição de Armas Químicas (Opaq), se reúne para discutir o futuro de um embaixador brasileiro, José Maurício Bustani. Muito mais do que isso. Ao decidir se mantém ou não Bustani no cargo de secretário-geral do fórum mundial da ONU criado para discutir a destruição e a proibição de um dos mais terríveis instrumentos de guerra, o colegiado de 145 países irá definir que tipo de mundo vamos ter daqui para a frente. Com mandato até 2005, o brasileiro virou, para os Estados Unidos, uma espécie de Osama Bin Laden do mundo diplomático. Motivo oficial? Divergências burocráticas. Motivo real? Decisões independentes que ferem os interesses americanos, como a que permite que, em troca de eliminar suas armas químicas, qualquer país possa desenvolver sua indústria química para fins pacíficos, chame o país Iraque ou Afeganistão. Por bem, Bustani não sai. Quer defender seu mandato mostrando sua obra: um mundo com mais controle sobre seu arsenal químico – dos EUA até o Iraque, que pela primeira vez em quatro anos aceitou inspeções regulares. Os americanos decidiram tirar o embaixador na marra. Passaram a acusá-lo, sem provas, de má gestão e prepararam até um dossiê contra ele, que virá à tona nas próximas semanas. À frente da campanha contra Bustani estão os xiitas republicanos ligados ao senador Jesse Helms, acusa o embaixador. “Os americanos me disseram: ou você sai ou vai pagar. Mas eu não tenho medo. Eles não vão conseguir assassinar meu caráter”, disse Bustani a ISTOÉ.

ISTOÉ – Por que um embaixador brasileiro, funcionário de um fórum internacional da ONU, se tornou alvo preferencial da maior potência do planeta?
José Maurício Bustani –
Oficialmente disseram que não gostaram do meu estilo de administração. Tentei sem sucesso arrancar deles coisa mais concreta. Aí eles alegaram “má administração financeira”. Isso é revoltante; somos auditados todos os anos e não há nenhum problema administrativo. O que há, sim, é falta de dinheiro, porque países como os Estados Unidos não pagam suas contribuições. Fui tomado de surpresa por essa iniciativa americana. No início da administração George W. Bush, o secretário (de Estado) Colin Powell me escreveu uma carta manifestando total apoio do governo à organização. Agora, há uma tentativa de buscar uma acusação para justificar minha saída. E isso é só o começo. Vocês verão na mídia americana os ataques mais absurdos e abjetos à minha pessoa. Tudo criação, visando gerar um clima para me destruir na próxima conferência. A única coisa que posso atribuir a isso é o fato de eu ser uma pessoa independente, que não aceita interferência de nenhum país.

ISTOÉ – O 11 de setembro é que marcou a grande mudança
nesse caso?
Bustani –
A coisa começou a mudar, a rigor, um pouco antes. Eu atribuo muito dessa situação à indicação do novo subsecretário para Desarmamento, John Bolton, que trabalhou antes na administração Reagan. Ele tem certa dificuldade em funcionar num ambiente onde o multilateralismo predomina. E ele não é o único. Faz parte de um grupo de republicanos de linha mais radical, ligados ao senador Jesse Helms, que tendem a acreditar que o poder americano, utilizado de maneira unilateral, leva a soluções mais palatáveis para os Estados Unidos.

ISTOÉ – Mas os atentados radicalizaram a posição americana?
Bustani –
A Opaq tem um papel a desempenhar no combate ao terrorismo. E é parte do nosso mandato assistir aos países vítimas de ataques com armas químicas. O que incomodou o Departamento de Estado americano foi que, ao oferecer a todos os países os préstimos da Opaq, eles entenderam que eu estaria indo além do mandato da organização. Sofrer ataque terrorista não é privilégio dos americanos. É minha obrigação lembrar ao mundo que existe uma convenção, que pode beneficiar seus países membros. E também atrair países que não são membros para que participem desse guarda-chuva. O combate ao terrorismo tem que ser feito coletivamente.

ISTOÉ – O Iraque está sendo apontado como o próximo alvo americano na “guerra santa” contra o terror. Ao atrair para dentro da Opaq países como o Iraque, o sr. não entrou na linha de tiro?
Bustani –
Isso faz parte de minha função e é mandato recebido pela conferência-geral dos Estados partes, inclusive dos EUA, trazer países que estão fora da organização. Inclusive o Iraque. A resolução 687, do Conselho de Segurança da ONU, quando se criou a comissão especial para o Iraque, menciona especificamente que esse país deve entrar para a futura convenção de armas químicas.

ISTOÉ – Parece que isso é incompatível com a atual política
externa americana.
Bustani –
Pergunte isso aos americanos. Obviamente, se o Iraque decidir aderir à convenção, terá de se submeter ao regime dela. O cenário que sempre imaginei para o Iraque seria uma coordenação entre o Conselho de Segurança e a Opaq para fazer nesse país um tipo de inspeção um pouco mais sofisticada. O pior cenário é o que temos hoje: o Iraque sem inspetores. Já que Bagdá tem dificuldade de receber os inspetores da ONU, por que não utilizar uma organização internacional independente como a nossa?

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ISTOÉ – A que outros interesses americanos o sr. desagradou?
Bustani –
Tenho dado grande ênfase a uma parte da convenção que, ao mesmo tempo que destrói armas químicas, promove a química para fins pacíficos. É impossível a qualquer país se desenvolver sem uma indústria química. Trata-se de uma compensação que interessa principalmente a países pequenos. Mas não interessa a outras nações, que temem a capacitação para o posterior desenvolvimento de armas químicas. No futuro, gostaria até que a organização trocasse de nome: de organização para proibição de armas químicas se tornaria a organização para promoção da química para fins pacíficos.

ISTOÉ – Quais países têm os maiores estoques de armas químicas?
Bustani –
A Rússia, com 40 mil toneladas, e os EUA, com 30 mil toneladas. A Índia tem uma quantidade bastante reduzida e está em processo de destruição.

ISTOÉ – Uma Opaq atrelada aos interesses americanos não torna o mundo mais perigoso?
Bustani –
Tenho muita preocupação que países do Oriente Médio, como Iraque, Egito, Israel, Síria, Líbano, e até Coréia do Norte, não estejam dentro da convenção. Esses países possuem indústrias químicas importantes e devem ter o compromisso legal de criminalizar o acesso ao agente químico como arma. O ataque terrorista pode acontecer a qualquer momento e esse é o mais fácil deles.


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