Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz de 1986, foi um dos primeiros judeus a gritarem em alto e bom som o absurdo da resignação que levou seu povo a ser arrastado para os campos de concentração. Adolescente irrequieto, mas observador, o escritor viu sua família e amigos serem avisados pelos vizinhos alemães das barbaridades cometidas pelo regime nazista. Também viu o descaso com que tais avisos foram passados. As atrocidades contadas pelos cantos escuros pareciam invencionices de quem queria aterrorizar as mentes dos sempre perseguidos judeus. Assim, aos 14 anos, seu olhar de menino acabou por contemplar os horrores de Auschwitz e Buchenwald, a separação de sua mãe e irmã mais nova e a morte lenta de seu velho pai. Desta dor nasceu A noite (Ediouro, 160 págs., R$ 21,90), escrito em 1958, provavelmente o mais revoltado e intenso relato do holocausto.

O que faz de A noite um livro de memórias excepcional é o fato de o autor ser conciso, terrivelmente conciso, e de concentrar em relativamente poucas páginas uma enorme carga de dor, revolta e indignação. Wiesel não se lamuria, não lamenta o destino de seu povo, não se faz de coitadinho. Ele acusa, sim, o horror de que é capaz o ser humano quando levado às últimas instâncias da fome e da dor. Sua constatação, logo no início do relato, de que nos sofridos olhos de uma criança ele via a morte de Deus é um dos mais virulentos manifestos da humanidade e sua opção pelo mal.

Um outro resumo cruel do estado a que pode chegar um homem no
limite da sua razão encontra-se nas páginas finais, quando Wiesel deixa
a cama de um hospital e, de frente para um espelho, pela primeira vez
em muito tempo, constata: “Do fundo do espelho, um cadáver me contemplava. Seu olhar nos meus olhos não me deixa mais.” Nem tal reflexo na mente do leitor.