Toda cidade já teve um daqueles cinemas luxuosos, desenhados em linhas art déco e delineados por fachos de néon reluzente. De certa forma, é um destes antigos palácios da sétima arte o grande personagem de Cine Majestic (The Majestic, Estados Unidos, 2001), comédia romântica assinada por Frank Darabont, em cartaz nacional na sexta-feira 5. Sempre nostálgico, o cineasta já havia homenageado clássicos como Gilda e O picolino em filmes anteriores. Agora, com direito a bilheteiro e lanterninha, Darabont
se deleitou com citações de obras-primas
de John Huston, Vincente Minnelli, Elia Kazan e Alfred Hitchcock. Mas, se existe um diretor a quem ele deve dar créditos em Cine Majestic, é Frank Capra. Como nas fitas do mestre do ingênuo,
o roteirista de Hollywood Peter Appleton (Jim Carrey) descobre o
sentido do patriotismo e da defesa dos valores democráticos depois
de passar por uma série de ensinamentos.

Incluído por acaso na lista negra do macartismo, Appleton sofre um acidente e perde a memória. É socorrido pelos habitantes da pacata Lawson, que o confundem com o desaparecido Luke Trimble, ex-combatente da Segunda Guerra, há oito anos sem voltar da França. Cada vez mais convencido de que é o herói local, o jovem assume a identidade de Luke e, de quebra, o romance interrompido com Adele (Laurie Holden), a antiga namorada do sósia. Tudo corre às mil maravilhas até que Appleton se cura da amnésia e, na sequência, é descoberto pelos agentes do FBI. Apesar de fantasioso, o enredo, mesmo açucarado, convence. Em determinados momentos, o espectador até acredita na hipótese de a situação absurda ser verdadeira. É que, nas entrelinhas, a aventura do roteirista Appleton proporciona várias leituras. Sem muito esforço, seu personagem pode ser comparado ao espectador de cinema que por duas horas esquece sua identidade e assume a de outro num mundo habitado por espectros, mas que, ao final, sai transformado. Exatamente como o desmemoriado Appleton.