Como explicar que uma peça sem enredo ou cenário, toda centrada no discurso inflamado de um ator e ainda por cima apresentada em sessões à meia-noite, possa conquistar público no Rio de Janeiro e chegar a São Paulo ovacionada pela crítica? Nem mesmo o autor de tal façanha, o carioca Michel Melamed, 28 anos, sabe a resposta. “O espetáculo é mesmo esse sucesso todo?”, brinca o ator, que escreveu o texto, dirige e atua no monólogo Regurgitofagia, em cartaz no Sesc Belenzinho, na capital paulista, em horários menos “malditos”. Parte da química do espetáculo reside no pacto silencioso selado entre o ator e a platéia. Melamed é “punido” a qualquer reação dos espectadores – um riso, um aplauso ou uma tosse. Microfones ligados a fios de descarga elétrica e amarrados ao corpo do ator captam os barulhos vindos do público e os convertem em choques, provocando um clima tenso permanente. “O pau-de-arara (o mecanismo que promove os choques) é parte integrante e pode ter várias interpretações. Não é marketing para atrair público”, garante.

Se quisesse o sucesso a qualquer preço, bastaria aceitar os convites de um programa de auditório noturno que abusa de bizarrices para elevar a audiência. Essas atrações, aliás, são o alvo preferido do ator e sua metralhadora de palavras. Seu diagnóstico do consumidor de tais produtos é a “cárie mental”, causada pelo consumo exagerado de enlatados americanos, novelas açucaradas e conceitos embutidos. Ao contrário da antropofagia, que pregava a deglutição do que vem de fora para criar uma identidade cultural própria, Melamed propõe que se expulse, através do vômito (regurgitação), todo o excesso de informação. Só assim seria possível absorver o que realmente é bom. “O movimento antropofágico está obsoleto”, afirma.

Longe do lixo televisivo, o carioca divide seu tempo como âncora de dois programas culturais na TVE. Apresenta também o quadro Lembranças do Brasil, no canal a cabo GNT. Atuou na peça Woyzek, o brasileiro, de Cibele Forjaz, ao lado de Matheus Nachtergaele, e participou da criação do núcleo de poesia CEP 20.000 (Centro de Experimentação Poética). Paralelamente à temporada de Regurgitofagia, Melamed trabalha no roteiro de um filme e no texto de outras duas peças – uma delas pronta e com o nome provisório de Mitologia brasileira. Gosta de dizer que, na essência, é um “escritor em busca de novas linguagens”. Tanto é verdade que sua peça nasceu do livro homônimo, lançado recentemente pela Editora Objetiva.


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