De sua gravadora em Madri, onde vive há uma década, o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler, 40 anos, pede uma pausa na conversa telefônica para atender mais uma ligação do Brasil. É possível ouvi-lo cantarolando alguns versos em espanhol com a voz límpida de quem sabe tratar bem as palavras do seu idioma. Do outro lado da linha, ele diz, estava o cantor Paulinho Moska, para quem está vertendo uma letra para o espanhol. Desde o final de janeiro, quando foi indicado ao Oscar de melhor canção com Al otro lado del río, do filme Diários de motocicleta, de Walter Salles, Drexler tem estado ocupado com baterias de entrevistas. São tantas que ainda não teve tempo de compor as inéditas prometidas à cantora Maria Rita, que conheceu em setembro do ano passado, em um show no Baretto, em São Paulo. Não era um espetáculo normal. Além de acontecer numa quarta-feira e na hora do almoço, tinha na platéia seleta apenas convidados do publicitário Washington Olivetto. Na verdade, tratava-se de um presente-surpresa que os diretores da agência W/Brasil deram ao sócio, fã de Drexler, no dia de seu aniversário. “Achei estranho terem me levado para o Baretto de dia e, mais ainda, quando apareceu a Maria Rita e depois o Celso Fonseca”, conta Olivetto. “Eles pegaram o microfone e chamaram o Drexler, que fez um show maravilhoso.”

Por trás do nome de personagem de faroeste, Drexler tem um temperamento meio nômade. Pode tocar para uma platéia de 130 pessoas, acompanhado apenas de violão e sampler – como aconteceu no ano passado em São Paulo, no lançamento do sétimo disco, Eco – ou então com banda e cordas para 25 mil fãs, seu público habitual na Espanha, onde compõe para astros como Rosario Flores e Victor Manuel. Em 2002, indicado para o Grammy Latino com o disco Sea, disse que preferia continuar sua turnê pelo interior do Uruguai. No domingo 27, quando concorrerá com pesos pesados como Counting Crows, por Shrek 2, e Minnie Driver, por O fantasma da ópera, será visto por uma platéia de 43 milhões de espectadores. “Não tenho nenhum smoking, acho que vou alugar um”, afirma entre risos. Na verdade, Drexler costuma subir aos palcos com ternos bem cortados, elegância que acompanha sua música de caimento perfeito. Na faixa Eco, por exemplo, ele se apresenta de forma enviesada: “Eso que estás oyendo/ ya no soy yo.” Mais adiante, na bela Milonga del moro judío, o filho de pai judeu e mãe católica professa seu credo com os versos “Yo soy un moro judío/ que vive con los cristianos/ no sé que Dios es mio/ ni cuales son mis hermanos”.

Drexler gosta das dualidades, como ter nascido num país que se encontra sob a influência dos dois maiores da América do Sul – o Brasil e a Argentina. Estudou medicina, profissão dos pais, exercendo a atividade por três anos. Mas desde pequeno aprendeu música – primeiro piano e depois violão clássico, com o uruguaio Eduardo Fernandes. No início, seu interesse era pela música contemporânea de John Cage e Edgar Varèse. “Mas tocava também Beatles”, ressalta, propondo paradoxos. A opção pelo popular aconteceu em 1989, quando ouviu o álbum Chega de saudade, de João Gilberto. “Percebi quão sofisticada poderia ser a música pop, algo que na minha ignorância só era acessível à música clássica”, afirma Drexler, que aperfeiçoou o português de tanto cantar o repertório de João. Em Eco, que tem a participação luxuosa do percussionista Marcos Suzano, ele incorpora a cadência do samba em faixas como Transporte e Don de fluir, essa mais um drum’n’bossa.

A influência da MPB é assumida. Chico Buarque, cuja Futuros amantes serve de epígrafe a Eco, é para o uruguaio o músico mais importante do mundo hoje. Seus pares locais retribuem. “Drexler é um diamante, um grande conhecedor de música brasileira, talvez até mais que muitos brasileiros”, afirma Paulinho Moska, o primeiro a gravá-lo no País. “Tem influência da bossa nova nos acordes, mas carrega também a tradição uruguaia da milonga, do candombe e do zamba.” Trata-se de um zamba, aliás, a canção Al otro lado del río, que compôs de uma vez, assim que acordou depois de uma noite de leitura do roteiro de Diários de motocicleta. “Escrevi pensando na Mercedes Sosa, que iria cantar a música e é o grande mestre neste gênero”, revela Drexler. Segundo Walter Salles, foi o primeiro take da canção, que Drexler gravou de forma quase amadora e o enviou por e-mail, que ficou na versão final. “Ele não precisa mais que voz e violão”, afirma Waltinho, citando uma das músicas de Drexler, Guitarra e vos. Por meio de um trocadilho com as palavras voz e você, Drexler homenageia a estética chique do banquinho e violão.