Um David x Golias diplomático colocou de um lado o Brasil e do outro a potência mais influente do planeta, os Estados Unidos. No centro do ringue, um embaixador brasileiro, José Maurício Bustani, secretário-geral da Organização para a Proscrição de Armas Químicas (Opaq), o fórum mundial da ONU sediado em Haia (Holanda) para a destruição e a proibição de um dos mais terríveis instrumentos de guerra. Em 1997, Bustani foi eleito para o cargo pelos 145 países da Opaq com o apoio do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e do governo da Rússia, os dois países com o maior arsenal químico do mundo. O cenário então era um mundo que falava em paz internacional e apontava as armas químicas como um mal a ser varrido do planeta no médio prazo. Em cinco anos, o arsenal de armas químicas foi reduzido em um terço e ditadores, como o iraquiano Saddam Hussein, aceitaram submeter seus países às inspeções da Opaq. Com isso, “Estados párias” como o Iraque e o Sudão foram aceitos na organização. O atentado de 11 de setembro mudou tudo. O presidente George W. Bush não quer ouvir falar no fim das armas químicas e Bustani, com mandato até 2005, tornou-se um estorvo. Além disso, o mundo aguarda um possível novo ataque dos EUA ao Iraque.

“Os americanos querem justificar de qualquer forma o ataque ao Iraque e impedir que seu próprio arsenal químico seja vistoriado. E o embaixador brasileiro ficou no meio desse tiroteio”, afirma o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que divulgou uma moção de apoio ao embaixador e de repúdio às pressões americanas. “Bustani é um profissional e com isenção, o que torna sem sentido qualquer restrição a seu desempenho”, disse a ISTOÉ o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. “Ele está fazendo com que o Iraque cumpra suas obrigações e não admite que Bagdá restabeleça o arsenal de armas químicas, o que faz de um ataque ao Iraque uma ação sem justificativa.”

O torpedo americano, sem precedentes, veio na terça-feira 19 na forma de uma moção pedindo a substituição do secretário-geral. Foi apresentada pelo subsecretário para Desarmamento do Departamento de Estado, John Bowton. O próprio secretário de Estado americano, Colin Powell, telefonou para o chanceler brasileiro Celso Lafer antecipando que pediria a degola do diplomata brasileiro por “razões administrativas”. Reunido na última semana em Haia, o conselho executivo do organismo, que reúne 41 países membros, vai repassar a moção ao colegiado formado por seus 145 membros, os mesmos que elegeram Bustani. Na sexta-feira 22 o conselho executivo manteve o embaixador no cargo porque os EUA obtiveram apenas 17 votos contra ele. A maioria dos países se absteve e apenas cinco votaram pela permanência de Bustani: Brasil, Cuba, Irã, Rússia e China.

Os americanos esperam contar com seus aliados europeus. O Brasil responde montando um guarda-chuvas diplomático para proteger Bustani. O secretário de Organização Multilateral do Itamaraty, Araújo Castro, que mora na França, é um dos pontas-de-lança do lobby pró-Bustani, mas aqui dentro é um assessor direto do presidente Fernando Henrique Cardoso, o embaixador Eduardo Santos, quem cuida do caso. No front externo, o Brasil negocia o apoio dos países em desenvolvimento e até de dissidentes europeus afetados pela guerra do aço – as medidas protecionistas americanas para produtos siderúrgicos semi-acabados. Embaixadores do Brasil em países da América Latina, Europa, África e parte da Ásia já iniciaram uma operação para preservar Bustani. O Itamaraty divulgou uma nota oficial prometendo resistir.

Mas alguns diplomatas denunciam que, por pressão da Casa Branca, o Planalto não está se esforçando em manter o embaixador brasileiro à frente da Opaq. A única vez em que falou no assunto, FHC disse que gostaria de ver Bustani mantido no cargo, mas ressaltou que ele não era representante do governo brasileiro, mas da ONU. Muitos diplomatas acham que Bustani foi “rifado” e que o chanceler Celso Lafer já tem carta branca para negociar com os EUA sua saída em troca da presidência do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos para um brasileiro, o atual administrador do Timor Leste Sérgio Vieira de Melo.

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