Sete antropólogos brasileiros e três estrangeiros passaram horas e horas num trabalho árduo, mas capaz de suscitar inveja: observar como os frequentadores das praias cariocas lidam com a exposição e valorização do corpo. O resultado do estudo poderá ser apreciado no livro Nu & vestido (R$ 35), a ser lançado ainda este mês pela Record. Com braços musculosos, barriga definida, pernas e bumbum sarados, a economista Maria Soares, 33 anos, que, com seu microbiquíni dourado pegava um bronzeado na terça-feira 19 em Ipanema, representa bem o público analisado. “Essa maravilha de praia acaba fazendo a gente cultuar o corpo”, justifica ela.
 

Coordenado pela antropóloga santista Mirian Goldenberg, o livro de 438 páginas faz uma crítica à “corpolatria”, adoração do corpo que ocorre em detrimento de outros valores, como a cultura. O antropólogo francês Stéphane Malysse, que mora há cinco anos no Brasil, traz a sua tese de doutorado sobre a surpresa que lhe causou a exposição de corpos no verão carioca. Malysse chegou a pensar em usar o termo bundolatria em seu trabalho, mas descartou a crítica explícita. “Há muito contraste com o que ocorre na França”, compara. Mirian analisa a questão feminina. Aponta que mais de 50 anos após o lançamento do antológico livro Segundo sexo, da filósofa francesa Simone de Beauvoir (um brado contra à submissão feminina que abriu caminho para a liberdade sexual acentuada pela pílula nos anos 60), a mulher do início do século XXI está aprisionada pela cobrança da perfeição física. “Às vezes, a mulher abre mão da felicidade. Evita o sexo com medo de que o parceiro veja suas gordurinhas”, lamenta. Mirian cita como exemplo desse perverso modelo a apresentadora Joana Prado, a Feiticeira, que em seis meses transformou seu corpo em um feixe de músculos. “Essa angústia faz com que as mulheres não usufruam do que conquistaram nas últimas décadas”, acredita. Ainda citando Beauvoir, a antropóloga lembra que as etapas da vida devem ser vividas em sua plenitude e não faz sentido uma mulher de 50 anos querer parecer uma menina. “As mulheres caíram numa armadilha e se transformaram em consumidoras permanentemente infelizes”, conclui, citando as poderosas indústrias de dietas, cosméticos, cirurgia plástica e erotismo.

A arqueóloga carioca Andrea Lessa, 30 anos, aluna de doutorado na Fundação Oswaldo Cruz, não concorda inteiramente com Mirian, embora malhe todos os dias. “Não acho que seja só uma questão de estética, normal no Rio porque as pessoas vão à praia para se exibir. Para mim,
a saúde vem em primeiro lugar”, garante Andrea. Ela diz que jamais apelaria para o silicone ou a lipoescultura, mas se aborrece quando se depara com celulite em frente ao espelho. Para Mirian Goldenberg, o
único jeito de se libertar da prisão do corpo é trocar a alienação pela consciência. “A solução é se aceitar e abrir mão do papel da mulher eternamente bela, jovem e sexy”, propõe. Simone de Beauvoir, que
com suas gordurinhas nunca deixou de seduzir homens e mulheres, certamente assinaria embaixo.