Um importante passo na luta
pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias foi dado na semana passada pela Grã-Bretanha. O cientista Ian Wilmut, criador da ovelha Dolly, o primeiro animal clonado com sucesso em 1996, recebeu permissão da Autoridade sobre Fertilização Humana e Embrionária britânica para fazer a clonagem terapêutica. Wilmut e sua equipe vão clonar em laboratório células de portadores de um grupo específico de doenças neuromusculares degenerativas e sem cura. Entre elas a esclerose lateral amiotrófica (ELA), conhecida por afetar o físico Stephen Hawking.

As células-tronco embrionárias são células curinga capazes de se transformar em qualquer tipo de tecido, inclusive células do sistema nervoso. O objetivo de Wilmut é criar células com os genes da doença e compará-las com as de pessoas saudáveis, o que vai permitir entender o desenvolvimento do mal fora do corpo humano. A partir daí, será possível, entre outras coisas, testar drogas e criar neurônios saudáveis para futuras terapias celulares.

A aprovação foi comemorada pela comunidade científica. Um nome de peso como o de Wilmut ajuda a desmistificar esse tipo de experimento. “Pela primeira vez será possível entender como a doença ocorre e analisar como ela se apresenta no estado embrionário”, diz a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

No ano passado, pesquisadores coreanos realizaram a clonagem terapêutica usando células de doadoras sadias. A intenção não era estudar uma doença específica, mas provar que esse tipo de pesquisa era possível em humanos.

A polêmica em torno das pesquisas com células-tronco de embriões envolve questões éticas e religiosas. Países como EUA, Espanha e Itália proíbem
essas pesquisas por entender que um indivíduo se forma a partir da concepção, ou seja, da união entre óvulo e espermatozóide. No caso da clonagem terapêutica, o argumento do grupo contrário às pesquisas é o de que ela abriria caminho para a clonagem reprodutiva e para a fabricação de seres humanos em série, já que a técnica para as duas práticas é a mesma. Ela só se difere no final do processo. Para um clone nascer é preciso implantar o embrião no útero de uma mulher e esperar pelo fim da gravidez.

“A solução dos britânicos foi fantástica. É uma forma de permitir o desenvolvimento da ciência de maneira controlada”, afirma a bióloga Lygia da Veiga Pereira, da USP. Desde 2001, a Grã-Bretanha permite a clonagem terapêutica, mas para isso é preciso que os cientistas apresentem seus projetos para análise. A licença para Wilmut é nominal a ele e a mais outros dois pesquisadores.

No Brasil, os cientistas ainda esperam a aprovação da Lei de Biossegurança, que vai direcionar as pesquisas nacionais nessa área. O projeto aprovado pelo Senado, no entanto, proíbe a clonagem terapêutica. Por aqui só é permitido usar em laboratório os embriões congelados e descartados pelas clínicas de fertilização. Técnicas para ambas as experiências não faltam. Nos laboratórios de Lygia, na USP, por exemplo, já se fazem, com sucesso, clonagem terapêutica e estudos com células-tronco embrionárias em camundongos.

Se o Brasil der a seus cientistas o mesmo aval que recebeu o pai de Dolly, os pesquisadores garantem que podem dar início às experiências com seres humanos no dia seguinte. Decisões como a tomada pelo governo britânico servem para alertar a sociedade para um procedimento que poderá, no futuro, tratar, além das doenças degenerativas, outros males hoje ainda sem cura, como o de Alzheimer, o de Parkinson e a diabete.