Severo no seu trabalho, o maestro e violinista alemão Erich Lehninger ficou chocado ao notar que a partitura que lhe colocaram à frente estava ilegível. “Era o quinto xerox, no mínimo”, brinca o atual spalla da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, relembrando um fato de três décadas atrás, quando ele chegou ao Brasil. Apaixonado pelo repertório erudito brasileiro, por conta própria passou a se dedicar
à recuperação das partituras das peças que iam lhe chegando às mãos enquanto corria atrás das que ouvia falar. Seu esforço foi recompensado quase por acaso. Procurado pela pianista e produtora cultural Anna Nery de Castro, uma ouvinte curiosa da obra executada num festival
de música erudita, o maestro mostrou sem jeito a partitura deteriorada
de uma composição do cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920). De imediato, Anna teve a idéia de um projeto que, com a ajuda de patrocinadores poderosos, já recuperou 12 partituras de peças diversas. As três últimas revisadas serão apresentadas no quarto Concerto projeto memória, de 22 a 24, no Teatro Municipal de Santo André, com a Orquestra Sinfônica de Santo André.

A execução da Sinfonia opus 27 (Sinfonieta), do carioca Henrique Oswald (1852-1931), encerra uma polêmica de décadas sobre a originalidade da Sinfonieta, na verdade uma redução do Opus 27. O Concerto em formas brasileiras, para piano e orquestra, do alagoano Hekel Tavares (1896/1969), é uma peça respeitada em todo o mundo, apesar da reconhecida limitação do compositor em termos de técnica erudita. E Sinfonia tropical, do paulistano Francisco Mignone (1897-1986), descreve com muito requinte uma viagem pelo rio Amazonas, do fluxo tranquilo de suas águas à ruidosa pororoca. O público ouvirá as obras exatamente como elas foram compostas, mas a recuperação de cada peça tem sido uma epopéia. Mesmo quando o pesquisador encontra a partitura completa, as cópias dos manuscritos para cada instrumento geralmente contêm erros involuntários, cometidos pelo próprio autor. Para que se tenha uma idéia da magnitude da empreitada, a apresentação da Sinfonia em si bemol para grande orquestra, fanfarra e coro, escrita por Leopoldo Miguez (1850-1902) em homenagem ao Marquês de Pombal, exigiu 200 músicos no palco, cada qual com sua partitura. O minucioso e exaustivo garimpo das obras também implica viagens ao Exterior, acertos com descendentes, pesquisas em órgãos públicos e auxílio de musicólogos e especialistas de várias áreas. Uma das quatro sinfonias escritas por Heitor Villa-Lobos (1887-1959), por exemplo, listada no catálogo de sua obra completa, elaborado pelo próprio, jamais foi encontrada. Suspeita-se que o maestro a tenha incluído antes de escrevê-la.