Sonho de consumo, objeto de desejo ou brinquedinho digital.
Dê-se a ele o nome que quiser. A verdade é que o tocador de músicas digitais iPod virou febre mundial. O aparelhinho da fabricante de computadores Apple, concebido em 2001 e lançado em 2003, elevou as ações da empresa e melhorou o prestígio empresarial da companhia, que quadruplicou os lucros nos três últimos meses de 2004 em relação ao mesmo período do ano anterior. O resultado é que o iPod se tornou ícone fashion e sinônimo de status entre bacanas e abonados. E não adianta optar por um produto similar de outra marca, que se contam às dezenas, aliás, mesmo que esse execute, igual ou melhor, as mesmas funções.

Difícil entender como um objeto de preço salgado conquistou tantos fãs em tão pouco tempo. Para os que gostam de tecnologia, o último invento – hoje ele existe em quatro versões: iPod U2 special edition, iPod mini, iPod shuffle e iPod photo – é muito elogiado graças à sua extraordinária capacidade de memória. Alguns iPods, com memória de 40 gigabytes (GB), são capazes de armazenar 12 mil músicas ou, no caso do iPod photo, 15 mil fotografias.

Ainda no quesito tecnologia, o aparelho surpreende pela praticidade. Três toques de dedo são suficientes para localizar cada uma dos milhares de músicas armazenadas e separadas por pastas. Entre os milhões de usuários de iPods ao redor do mundo, alguns se renderam ao design moderno e arrojado, outros à possibilidade de escutar o que quiser e onde quiser. Eis as razões que tornam a maquininha digital tão cobiçada quanto um telefone celular de última geração. Mal os brasileiros se acostumaram às novidades dos blogs, os diários virtuais que se espalham pela internet, e a febre do iPod se alastrou pelo País.

O publicitário Nizan Guanaes faz parte do grupo de viciados na tecnologia digital. Anda para cima e para baixo com o seu e ainda dá de presente o tocador de músicas para pessoas especiais. Ele próprio ganhou o seu das amigas Flávia e Roberta Eluf. Detalhe: com três mil músicas já armazenadas. “O iPod é um divisor de águas, um ícone, daqueles produtos que surgem de vez em quando e mexem com a vida das pessoas. Diria que o melhor amigo do homem não é mais o cachorro, é o iPod. Amar é dar a alguém um iPod cheio de música”, revela Guanaes.

Bolha – A adoração aos aparelhos de música digital não é só modismo ou exagero de fanáticos. “O iPod é o primeiro ícone cultural do século XXI. Não há nada igual a ele em termos de mistura de estilo, funcionalidade e desejo do consumidor”, diz o pesquisador Michael Bull, da universidade britânica de Sussex. Um dos maiores especialistas internacionais em consumo eletrônico, o professor Bull estuda o impacto dos aparelhos portáteis de música desde o pioneiro dos walkmans, o modelo da Sony. “A diferença é que o iPod é atraente porque pode ser programado muito rápido e facilmente. Assim como o walkman, ele permite que a pessoa crie uma trilha sonora para seu mundo, e viva numa espécie de bolha, na qual ela tenha controle do tempo e do espaço”, explica Bull.

O lançamento do walkman da Sony, na década de 1970, provocou uma verdadeira revolução comportamental e causou grande impacto nas indústrias fonográfica e de tecnologia. A chegada dos aparelhos que tocam música digital, popularizada pelo iPod, traz uma revolução com potencial ainda maior. Enquanto as fitas cassete têm duração de uma hora (e os CDs, de 74 minutos), alguns tocadores de mp3, entre eles o iPod, podem guardar mais de mil horas de música. Ou 41 dias ininterruptos.

Além disso, a música digital oferece a vantagem de poder ser copiada
inúmeras vezes sem perda de qualidade – sendo essa característica
justamente a dor de cabeça da indústria fonográfica nos últimos anos, atemorizada pela pirataria digital. Com forte tradição de pioneirismo e capacidade insuperável de transformar mercadorias em objetos de desejo, a americana Apple foi a primeira a perceber o potencial da música digital. E assim surgiu o iPod, que vendeu dez milhões de unidades – 4,6 milhões só no último Natal. A febre dos tocadores de música digital despertou a concorrência, que agora corre para recuperar o tempo perdido. Hoje são muitos os fabricantes e os modelos de toca-mp3 disponíveis no mercado nacional.

De certa forma, o fenômeno do iPod repete o que aconteceu com a popularização do walkman nos últimos 25 anos. Com a chegada dos aparelhos portáteis de áudio digitais, a estética deixou de estar nas capas dos discos, como era comum nas bolachas de vinil, e passou para o próprio aparelho e seu estilo. No universo da música digital, o investimento das pessoas é mais no artefato e menos na compra de músicas, já que muita gente baixa canções ilegalmente pela internet.

A verdade é que nem todas as formas de download são ilegais. Em 2004, americanos e europeus baixaram mais de 200 milhões de músicas por meio de serviços pagos disponíveis na internet. O iTunes, da Apple, o exemplo mais bem-sucedido, domina 70% do mercado. Nos EUA, em apenas uma semana, ele vendeu um milhão de músicas. O segredo? Cada faixa custa US$ 0,99 e é enviada diretamente para o iPod. Basta salvar o arquivo usando o formato mp3. No Brasil, a loja virtual não deve chegar tão cedo. A justificativa é a dificuldade para negociar direitos autorais no País.

Espera – Nem assim os brasileiros desistiram de pegar carona nessa onda. Por aqui, a procura foi tanta que alguns modelos sumiram das prateleiras, apesar do preço proibitivo, resultante da pesada carga tributária que incide sobre os produtos de informática. O iPod mini, por exemplo, custa R$ 1.890, contra US$ 250 no Exterior, o que significaria algo na faixa de R$ 660. Na rede de lojas Fnac, a procura foi maior do que a oferta, no ano passado. Modelos nas cores prata e verde, só com lista de espera.

Para os milhões de donos de iPods, seus aparelhos são também a porta de acesso a uma sociedade que está transformando o modo como a música será consumida no futuro. Assim como o celular permite a troca de fotos e mensagens, o iPod serve para compartilhar toda a coleção de músicas com os amigos, o famoso sharing. Foi exatamente isso o que fez o Napster, endereço de troca de músicas que funcionava de maneira ilegal e foi fechado judicialmente em 2000. Hoje, o Napster tem dois serviços de venda de músicas que funcionam legalmente, inclusive como uma grande fonte para compor um acervo musical nos tocadores. Ao que tudo indica, para esse público pouco importa como se consegue uma boa coleção de músicas. O bacana é desfilar, cheio de estilo, exibindo o mais novo símbolo da moda.

Ícone fashion, o estilista Calvin Klein é outro fanático que não sai de casa sem o seu iPod. Recentemente, eles também brilharam na passarela, durante o São Paulo Fashion Week. No desfile da Triton, os tocadores digitais foram a atração, exibidos como acessório indispensável no guarda-roupa dos antenados do mundo fashion.

O aparelhinho caiu tanto no gosto dos vanguardistas que deu origem a
uma nova categoria: os iPodpeople, os felizardos proprietários desses
objetos do desejo. Quem tem, tem. Quem não tem, inveja. A tendência veio de fora. Em Londres e Nova York, os clubes e bares da moda funcionam à base do mimo da Apple. A pessoa entra, escolhe sua lista de músicas preferidas (ou set list) e, quando chega a sua vez, é só conectar seu próprio iPod à aparelhagem de som do lugar. No Brasil, quem visitou um dos lounges do principal evento de moda de São Paulo viu um aperitivo dessa mania. A linda e loura Ana Claudia Michels atacou de DJ. Em vez de uma pilha de CDs ou vinis, a top model sacou do bolso seu iPod. E dele, a tradução do que há de mais tecnológico no momento, ela tocou samba e pagode. No melhor estilo brasileiro.