Desde a madrugada do dia 23 de abril de 1996, quando o general Lino César Oviedo, então comandante do Exército paraguaio, tentou um golpe contra o presidente Juan Carlos Wasmosy, o Paraguai se divide entre oviedistas e antioviedistas. Depois disso, o obstinado Oviedo vestiu o pijama, candidatou-se à Presidência, foi preso, libertado e acabou asilado no Brasil. Mas ele jamais abandonou o sonho de ocupar o cargo máximo do poder. Há três anos, o assassinato do vice-presidente Luís María Argaña – do qual Oviedo foi acusado – mergulhou o Paraguai numa violenta crise institucional que levou à renúncia do presidente Raúl Cubas, aliado do ex-general. As autoridades paraguaias suspeitam que Oviedo mantém articulações com seus seguidores a partir de Foz do Iguaçu (PR) com o objetivo de voltar ao Paraguai. Por isso, o ex-militar corre o risco de ser expulso do País. O presidente paraguaio, Luis González Macchi, do Partido Colorado, acusa-o de ser o instigador da onda de violentos protestos que eclodiu na segunda-feira 15 em várias partes do Paraguai, entre elas a capital Assunção. Duas pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas. Macchi mandou o Exército para as ruas e decretou estado de exceção, suspendendo as garantias constitucionais dos paraguaios e tornando possível mais de 300 detenções de líderes políticos e simpatizantes de Oviedo. “Foi uma medida extrema para uma situação que poderia ter sido controlada por meios democráticos”, afirmou a ISTOÉ o analista político José Nicolas Morínigo.

Depois de 48 horas, na quarta-feira 17, antes de a medida ser apreciada pelo Congresso, o governo revogou o estado de exceção, mas o estrago já estava feito. A violência contra os manifestantes (oviedistas e seus antigos desafetos do Partido Liberal Radical Autêntico, PLRA, agora juntos) foi tão forte que chegou a ser comparada às manifestações ocorridas depois do assassinato de Argaña. O estopim da crise surgiu quando Oviedo, condenado a dez anos de cadeia por um tribunal militar, anunciou que voltaria ao Paraguai pela Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, num aceno de que um iminente golpe estaria sendo organizado pela União Nacional dos Cidadãos Éticos (Unace), grupo político oviedista dissidente do Partido Colorado de Macchi.

Segundo o presidente do Senado, o governista Juan Carlos Galaverna, as manifestações tiveram o respaldo do vice-presidente, Julio César Franco, do PLRA, hoje um aliado de Oviedo. Galaverna sustenta a tese de que, se o presidente Macchi fosse deposto, assumiria o vice Franco, eleito meses depois do assassinato de Argaña com o voto oviedista. Franco permaneceria no cargo até as eleições de abril do ano que vem, quando Oviedo voltaria como candidato presidencial, depois de ser devidamente anistiado. De olho nas artimanhas do ex-militar, o governo brasileiro resolveu passar um pito publicamente em Oviedo. Na quarta-feira 17, ele foi a Brasília prestar contas ao Ministério da Justiça. A porta fechadas, Oviedo recebeu o recado do presidente FHC de que, se se envolvesse em atos políticos, poderia ser expulso do Brasil. O ex-general negou que estivesse por trás dos conflitos, mas confirmou que teve “conversas” com seus correligionários. O ministro da Justiça brasileiro, Paulo de Tarso Ribeiro, determinou que a PF acompanhe de perto os passos de Oviedo e afirmou que, caso sejam encontradas irregularidades, seu visto de permanência será cancelado. Oviedo entrou com um pedido de visto de pesquisador, para integrar os quadros da Universidade de Cuiabá (Unic). A direção da Unic nega qualquer vínculo com o ex-general, mas confirma que ele procurou a instituição.

Para o ex-deputado paraguaio Bernadino Radil, que deixou o Partido Colorado e hoje pertence à Unace, a tese de que Oviedo teria arquitetado as manifestações não passa de “balela”. Assim como outros aliados do ex-homem-forte do Paraguai, Radil garante que os protestos são em consequência de crescente descontentamento popular com o governo Macchi. “Com sua política de privatizações, ele levou o país à ruína. São roubos no Estado e uso indevido de dinheiro público. E ele nem sequer foi eleito pelo povo. Tudo isso causa um mal-estar generalizado”, afirmou o ex-deputado. O presidente é acusado de desvio de US$ 16 milhões de bancos que sofreram intervenção do Estado.

O desemprego assola o Paraguai, o mais pobre sócio do Mercosul, e já chega a 16%. Segundo dados oficiais, 70% da população paraguaia está abaixo da linha da pobreza. Desde 1989, quando caiu a ditadura do general Alfredo Stroessner, a máquina estatal vem inchando e o número de funcionários públicos pulou de 78 mil para mais de 200 mil hoje. Mas eles são mal pagos e há 15 dias estão sem receber salários. O FMI exige que o governo faça um ajuste fiscal antes de qualquer ajuda financeira.

O analista José Nicolas Morínigo acredita que o governo
Macchi deverá permanecer até 2003, apesar do agravamento
da crise. Ele está convencido de que o impasse paraguaio vai além das dificuldades econômicas. “Os partidos vivem uma profunda crise”, afirmou. Mas a população paraguaia ainda guarda fortes identificações partidárias: “É como se fosse um time de futebol, um corintiano
não pode ser nunca chamado de flamenguista, porque sua identidade se confunde”, analisa Morínigo. Mas, ao mesmo tempo, a implosão do domínio do Partido Colorado, que durante a ditadura de Stroessner se confundia com o Estado, colocou desafios tão complexos às lideranças políticas que nem mesmo partidos com raízes tão fortes na população conseguem enfrentar. Assim, o caminho está aberto para o populismo
e a demagogia. Oviedo, que adorava se fantasiar de Júlio César, espera a vez de atravessar o Rubicão.

Colaborou Antônia Márcia Vale (DF)