Presidente mundial do BankBoston, Henrique Meirelles vai pilotar o banco a partir do Brasil e preparar sua carreira política

O mais poderoso homem de finanças brasileiro está voltando ao País. Nos próximos meses, o goiano Henrique de Campos Meirelles, 56 anos, vai trocar a rota Boston–Nova York por Goiânia–São Paulo. O executivo não deixará, a princípio, a presidência mundial do BankBoston, que com o Fleet Bank forma o sétimo maior conglomerado financeiro dos Estados Unidos. As instituições continuarão a ser pilotadas a partir de dois equipadíssimos escritórios já montados no Brasil. Um fica em São Paulo, coração financeiro do País. O outro, em Goiânia, sede de outro projeto de Meirelles: a eleição ao Senado Federal. O caminho político parece ser inevitável na vida desse engenheiro formado pela Universidade de São Paulo. “Eu já cheguei ao topo da carreira. Não há mais desafios no mundo executivo”, afirma.

A militância política já começou, discretamente. O convite para encarar as urnas partiu do presidente Fernando Henrique Cardoso e, na prática, já foi aceito. Só falta decidir se a estréia será no horário eleitoral deste ano ou no de 2006. A decisão sai até junho, época-limite das convenções partidárias. Num horizonte mais amplo, a Presidência da República aparece como um sonho. Ou um desafio, mais um dos muitos superados durante a impressionante carreira de Meirelles – que perdeu a condição de solteirão no ano passado, quando se casou com uma psicóloga mineira.

Ainda professor universitário, Meirelles entrou no BankBoston (então chamado Banco de Boston) brasileiro em 1974. Dez anos depois, era o primeiro brasileiro a ocupar a cadeira de presidente da subsidiária de uma instituição internacional no Brasil. Em outubro de 1996 foi a vez de um novo salto inédito. Meirelles assumiu a presidência mundial do banco, após encantar os americanos com os resultados obtidos na incerta economia brasileira, mesmo sem jamais ter morado fora do País.

Em 1999, o Boston fundiu-se com o Fleet, outro gigante nos Estados Unidos. A fusão, toda dirigida pelo goiano de Anápolis, resultou no sétimo maior grupo financeiro dos Estados Unidos. Mesmo estando no lado mais fraco do negócio – o Fleet era maior que o Boston –, o executivo brasileiro assumiu a presidência responsável pelos clientes corporativos nos EUA e por todas as atividades globais (a instituição tem presença em 32 países). O posto lhe rendeu uma remuneração, em 2000, de exatos US$ 2.955.345. Sua divisão lucra, por ano, US$ 1 bilhão e conta com cerca de 15 mil funcionários.

Famoso pelas jornadas de trabalho que duram até 18 horas, Meirelles recebeu ISTOÉ no belo apartamento que alugou na praia de Iracema, em Fortaleza, durante a Reunião Anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No fim de tarde de um ensolarado domingo (que havia começado para ele às 4h e ainda estava longe de terminar), o executivo concedeu a seguinte entrevista:

ISTOÉ – A recessão americana chegou ao fim?
Meirelles

Todos os sinais indicam que sim. Essa recessão, se os sinais se confirmarem, foi curta e leve. Ela não foi profunda e foi muito rápida. É preciso agora verificar o porquê disso. Acho que Alan Greenspan (presidente do Federal Reserve, o Banco Central americano) tem a análise correta: as empresas americanas hoje são mais eficientes e estavam mais bem preparadas para enfrentar a recessão. Os bancos também estão mais capitalizados hoje do que em outros momentos ruins da economia americana.

ISTOÉ – Qual foi o efeito real do 11 de setembro na economia?
Meirelles

Os atentados contribuíram para a recessão, mas também para a recuperação. Se você olhar o índice de consumo, percebe que ele vinha caindo devagar no primeiro e no segundo trimestres. Chegou no terceiro, mergulhou. Foi a parada. Em compensação, depois ele começou a subir direto. A dúvida é a seguinte: será que a recuperação já teria se dado se não fosse o terrorismo? Quando a economia mergulhou de vez, configurou-se uma recessão profunda. Isso mobilizou a sociedade. O Fed atuou agressivamente, os pacotes de incentivo foram feitos e as empresas atuaram agressivamente, quase que num movimento de patriotismo. O presidente foi à televisão pedir à população para não parar de consumir. Os atentados agudizaram a recessão num primeiro momento e a encurtaram em seguida.

ISTOÉ – O fim da recessão significa a entrada imediata num ciclo vigoroso?
Meirelles

Eu acho que sim, porque essa recessão, ao contrário de condenar Greenspan, claramente consolida a reputação dele. Nesse sentido, de fato, os ganhos de produtividade da economia americana são sólidos. Ele resistiu à bolha e a produtividade por operário continua crescendo. E, apesar da recuperação, o desemprego continua aumentando, o que significa que os ganhos de produtividade são reais.

ISTOÉ – Quem é mais importante para a economia, Bush ou Greenspan?
Meirelles

Greenspan. Na minha opinião, não há comparações. Porque eu acho que o que definiu claramente essa recuperação foi a política monetária de Greenspan, e não os incentivos de Bush, que nem chegaram ainda. Greenspan atuou agressivamente.

ISTOÉ – Bush tem sido criticado no campo econômico, principalmente depois de impor barreiras à importação do aço. Como o sr. avalia a atuação dele em comparação com a de Clinton?
Meirelles

Aí nós entramos numa questão de opinião pessoal, não necessariamente da instituição que eu represento. A minha opinião é que Bush, no campo diplomático e militar, está provando ser muito superior a Clinton. Não há dúvida que ele foi muito vigoroso e decisivo para responder ao ataque terrorista. Se os ataques terroristas tivessem continuado, a economia americana poderia ter paralisado. No que diz respeito à gestão puramente econômica, Clinton teve mais austeridade fiscal, enquanto Bush apostou muito mais no corte de impostos baseado numa expectativa de crescimento de receita um pouco otimista. Clinton conseguiu criar um ciclo virtuoso.

ISTOÉ – E a questão do aço?
Meirelles

É uma política típica de alguns setores da administração americana, particularmente do governo Bush. Foi uma decisão pontual e política de proteger a indústria do aço americana, que é claramente ineficiente, com o objetivo de dar tempo a ela de se reformular. Acho que nesse aspecto o Brasil foi protegido. Há uma clara opção política em proteger o Brasil versus o Japão, a Coréia e a Europa. O Brasil seria mais fortemente atingido em sua balança comercial se não tivesse tido sua proteção. Acho que foi um gesto de proteção futura com vistas na Alca.

ISTOÉ – Em quanto tempo a Argentina sai do buraco?
Meirelles

Poderia começar a se recuperar em seis meses, mas acho que vai levar até dois anos. É preciso flexibilizar o corralito, que visa, em tese, proteger a economia. Ele impede que as pessoas saquem dos bancos para comprar dólares. Para evitar esse risco, eles foram longe demais. Isso paralisou a economia. Qual a solução disso? Voltar o corralito do Domingo Cavallo. Ou seja, você não pode sacar o dinheiro do banco e ir correndo comprar dólares. Mas você pode usar livremente sua conta corrente. Movimentaria a economia e as receitas públicas voltariam a crescer. Assim, o governo argentino poderia fazer um acordo com o FMI estipulando metas crescentes.

ISTOÉ – Depois desse colapso da Argentina, a América Latina ainda é sedutora para os investidores?
Meirelles

Ficou claro que a América Latina não é homogênea. E, portanto, fica difícil falar em América Latina como um todo pela primeira vez em 50 anos. Apesar da Argentina, o México hoje, certamente, é muito atraente. O Brasil ainda está bem, tem fundamentos muito bons. O Brasil vai crescer esse ano. Nada mudaria esse quadro, a não ser que o novo presidente voltasse a roda da história e quisesse fazer mágica econômica.

ISTOÉ – Até que ponto a política interfere de verdade na economia?
Meirelles

Eu espero que não atrapalhe muito. O mercado já absorveu a incerteza das eleições. Por outro lado, eu acho que, se o PFL e outros partidos votarem tendo em vista o interesse nacional, a manutenção desse patamar de risco está assegurado. Depois da eleição, a política pode influenciar. Mas aí eu não vejo a questão em termos de “o mercado gosta ou não gosta”. O mercado vai reagir ao que o presidente ou a presidente vai falar e fazer.

ISTOÉ – Mas o mercado espera uma continuidade…
Meirelles

Certamente.

ISTOÉ – Essa continuidade significa a eleição de José Serra.
Meirelles

Certamente, vamos dizer. Mas eu não acho que o mercado aguarde uma continuidade no sentido mecanicista. Eu acho que o mercado espera que o País tenha aprendido com as lições do passado. Ou seja: tentar financiar gasto público com emissão de moeda gera crise. Serra, se eleito, será muito bem recebido. Não necessariamente por causa da continuidade. Mas porque ele, como administrador, tem um histórico de austeridade fiscal.

ISTOÉ – Roseana não tem esse histórico…
Meirelles

Não tem, mas o programa do PFL fala em austeridade, é muito positivo. O Serra tem uma história de austeridade pessoal. A Roseana tem um programa do PFL que também prega a austeridade fiscal.

ISTOÉ – Lula ainda assusta?
Meirelles

Eu disse a Lula que ele, pessoalmente, não assusta o mercado. Agora, é importante ele dizer que, por exemplo, não vai imprimir dinheiro para financiar a dívida.

ISTOÉ – Em 2001, os bancos tiveram lucros excepcionais, enquanto o desempenho da economia brasileira foi medíocre. Como se chegou a isso?
Meirelles

Acho que o sistema financeiro teve uma reforma dramática a partir de 1994, com o saneamento do sistema. E hoje tem um sistema sólido, eficiente e bem administrado. O que, na minha opinião, é uma das razões fundamentais para o Brasil não ter sido contaminado pela Argentina. Se o sistema fosse frágil, estaríamos no buraco junto. Isso é positivo. Agora, qual é o próximo passo? Cair as taxas de juros e aumentar o volume de crédito. A competição aumenta e aí o importante é os bancos continuarem saudáveis pelo aumento de volume de empréstimos. O sistema financeiro cresce com uma economia saudável.

ISTOÉ – Mas a economia não esteve saudável no ano passado…
Meirelles

Os bancos serem eficientes não é condição suficiente, é condição necessária. Quer dizer, um sistema financeiro quebrado não leva nenhuma economia ao crescimento.

ISTOÉ – Não existe algo essencialmente errado quando o país não cresce e os bancos acumulam lucros recordes?
Meirelles

Acho que existe algo de essencialmente errado, mas não é no lucro dos bancos. Eles simplesmente são instituições que foram bem administradas. Não tiveram lucros excessivos, simplesmente foram bem administradas. O que está essencialmente errado são setores da economia que não tiveram bons resultados. Isso é uma conjugação de fatores: a crise na Argentina e a crise de energia, que não afetou os bancos mas afetou muito as indústrias. Sem a crise energética, as indústrias vão voltar a crescer. Em nível internacional, os retornos no Brasil não são altos demais. São médias normais de países que estão muito bem.

ISTOÉ – O sr. é filiado ao PSDB. Tem alguma pretensão eleitoral?
Meirelles

No momento, não. Tenho um convite do presidente Fernando Henrique e do governador de Goiás, Marconi Perillo, para disputar uma vaga a senador por Goiás. As pessoas dizem que isso é um compromisso, mas não é. Isso é um convite. Para este ano ou para 2006. Eu vou tomar essa decisão nos próximos meses. As convenções serão em junho. Até lá estou avaliando esse quadro e considerando até que ponto é uma opção válida para Goiás, para mim e para o banco. Vou avaliar o quanto faz sentido do ponto de vista comunitário.

ISTOÉ – Qual é o seu projeto político?
Meirelles

Precisamos reforçar as instituições no Brasil. E o Brasil precisa atingir um momento em que o mundo todo fique tranquilo a respeito do resultado das eleições. Nós precisamos acabar com essa crise de todo o mundo ficar preocupado com as eleições. Qualquer que seja o presidente, o País tem de estar tranquilo. Isso vai se dar através do fortalecimento do Congresso, onde o presidente fica menos importante. E um Congresso com uma política econômica clara. Uma pessoa que tenha experiência como eu no Exterior pode exercer um papel importante em ser esse contraponto a qualquer presidente. Uma voz no Senado com conexões internacionais, independente, com conhecimento, experiência e que possa ser um fator estabilizador. Juntamente com outros senadores, é claro.

ISTOÉ – O sr. encara a via política como um desafio?
Meirelles

Sim, mais um desafio. Eu era professor universitário quando entrei no banco, em 1974. E me propus a galgar postos na instituição. Fui um dos primeiros vice-presidentes brasileiros de bancos internacionais no Brasil e o primeiro presidente. Aí me impus outro desafio, o de criar uma companhia de primeiro nível mundial no País. Venci. Mais um desafio foi me candidatar a presidente mundial do Boston em 1996. Fiz isso e estabeleci outro desafio: descobrir até que ponto um brasileiro, um tupiniquim – e tupiniquim que parece tupiniquim, que tem nome tupiniquim, sotaque tupiniquim e nunca morou lá fora – poderia chegar. Com isso me impus esse desafio de chegar lá, ganhar a eleição à presidência e administrar um banco mundial. Fiz isso. E consegui. Agora, estou morando lá há seis anos e me encanta a idéia de voltar ao Brasil. Pode ser pela via política. Pode também ser pelo próprio banco, montando um escritório global do banco no Brasil, administrando o banco a partir do Brasil e participando mais da vida social e econômica do País, principalmente no campo social. Eu já tenho a decisão tomada de voltar ao Brasil.

ISTOÉ – O sr. considera que já atingiu o topo da vida executiva?
Meirelles

Atingi o topo mundial do BankBoston, fizemos a fusão com o Fleet e fiquei presidente do FleetGlobal. Do ponto de vista executivo, não há mais nada a fazer. Continuar no banco e esperar para ir ao Conselho é o caminho da aposentadoria. Voltando ao Brasil tenho uma série de outros desafios.

ISTOÉ – O sr. sonha com a Presidência?
Meirelles

Acho que todo brasileiro sonha, no fundo, um dia chegar a presidente. Você também.