A Associação Desportiva Atlética do Paraná (Adap) é um arrojado clube empresa de Campo Mourão, cidade de 85 mil habitantes ao norte do Estado. Em pouco mais de cinco anos de existência, conquistou no campo uma vaga na primeira divisão paranaense, negociou vários jogadores, inclusive no Exterior, e montou estrutura para abrigar e treinar mais de 120 atletas. O time profissional lidera um dos grupos do Estadual, à frente de equipes como Coritiba e Paraná Clube. Mas, nas últimas semanas, tudo isso ficou pequeno diante do talento de uma descoberta recente do clube: o meia-atacante Jean Carlos Chera. No final do ano passado, um dos três olheiros assalariados da Adap (R$ 2 mil mensais) entregou ao presidente, Adilson Batista Prado, um filme com lances do jogador em torneios realizados em Sinop (MT), onde ele morava. Além de dezenas de gols dignos de placa, as imagens revelavam passes precisos, dribles humilhantes e uma capacidade quase inacreditável de finalização com a perna esquerda. A plástica dos movimentos e a naturalidade com que o atleta se livrava dos adversários impressionaram até quem não nutre paixão intensa pelo futebol. E isso deveu-se sobretudo a um detalhe importante: Jean tem apenas nove anos. “Nunca vi nada parecido”, empolga-se Prado, convencido de ter descoberto um diamante raro.
    
A se confiar na contabilidade do pai de Jean, Celso Chera, o garoto é dono de números espantosos. Até agora, teria marcado
186 gols em torneios de futebol society e de salão. Numa dessas disputas, fez 36 dos 38 gols de seu time, em nove partidas. Em outra, respondeu por 33 dos 39 gols da equipe. Dias atrás, Prado colocou as jogadas de Jean na página do clube na internet (www.adap.com.br). Foi o início do furacão. O número de visitas diárias saltou de 1,5 mil para nove mil. As tentativas dos internautas de copiar o vídeo com as acrobacias do garoto provocaram uma pane e forçaram a Adap a multiplicar por 12 a capacidade de saída de dados do portal. Oito clubes europeus teriam procurado um representante da Adap em Portugal na busca de informações. O presidente Prado tenta manter os nomes dos interessados em sigilo, mas jornais portugueses divulgaram que, entre eles, estariam o português Porto, o francês Bordeaux e o inglês Manchester United, dono de um patrimônio estimado pela revista americana Forbes em US$ 1,8 bilhão e que, anos atrás, contratou o argentino Leonel Messi com apenas 12 anos.

Interesse – O rebuliço não foi menor por aqui. O Santos procurou o pai do jogador, mas nada ficou acertado. Na quarta-feira 2, Jean Carlos foi recebido pelo iraniano Kia Joorabchian, diretor do fundo de investimentos Media Sports Investment (MSI) e parceiro do clube paulista, num encontro pedido pelo anfitrião. “Kia mostrou interesse em contribuir para a evolução do Jean, mas não fechamos acordos”, conta o presidente da Adap, uma sociedade limitada parecida, em suas ações, com o clube CFZ, do craque Zico. Além de presidir o clube que tem Jean federado, Prado controla a empresa de gerenciamento de carreiras World Trade Company, que acertou com os pais do garoto para gerenciar a carreira do jogador. Só o liberaria em troca de um bom dinheiro ou de, pelo menos, uma parte considerável, talvez majoritária, dos direitos federativos do atleta, para negócios futuros. Eis o problema. Poucos investiriam pesado numa promessa tão nova, ainda que ela mostre as habilidades raras de Jean Carlos. Não faltam exemplos de promessas precoces no esporte que se transformaram em ilustres anônimos. Essa é a dificuldade encontrada por Santos, Corinthians ou por qualquer outro clube do País. E é preciso dinheiro para superá-la.

Brincadeiras – Jean Carlos não se encaixa no figurino social da maioria dos
craques revelados pelo futebol brasileiro. Descendente de italianos, é um
garoto de classe média alta. Seu pai é dono de uma madeireira e de uma
plantação de arroz e trigo numa propriedade de 400 hectares em Sinop. Tem
apenas um irmão, de dois anos. Para dar oportunidade ao filho, Celso alugou uma espaçosa casa em Campo Mourão e trouxe a família inteira para a nova cidade. Pretende ficar pelo menos um ano. Apesar de só ter nove anos, Jean está matriculado na quinta série da melhor escola da cidade. “Faço o impossível para que tudo dê certo, mas sinceramente não dependo disso para viver com um mínimo de conforto”, admite Celso. “Estou feliz, mas todo esse barulho não deve desviar meu filho dos estudos e das brincadeiras”, apela a mãe, Loreci. Na avaliação da psicanalista Ana Olmos, especializada no atendimento de crianças e adolescentes, a questão levantada por Loreci é fundamental. “Há fases da infância que são indispensáveis. Se não forem vividas na plenitude, geram adultos infelizes”, analisa Ana. O melhor, pelo menos por enquanto, é deixar Jean Carlos exibir o seu futebol moleque – e, sobretudo, ser um bom moleque.