A imagem do aperto de mão entre o israelense Ariel Sharon e o palestino Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, poderia ter saído dos arquivos fotográficos de qualquer agência de notícias. O cumprimento amigável, repetido na conferência de Sharm el-Sheik, no Egito, foi também registrado 18 meses atrás na Jordânia. Repete-se a história como tragédia e farsa. As hostilidades entre os dois povos, representados por esses mesmos líderes, continuaram depois do primeiro aceno de paz, seguindo uma trajetória sangrenta que já dura quatro anos e fez mais de quatro mil mortos. O que se acertou, novamente agora, foi um cessar de hostilidades, mas nem mesmo os termos para este propósito estão assegurados ou mesmo clarificados. Exemplo: Sharon prometeu a liberdade de 900 palestinos mantidos prisioneiros em seu país, mas apenas para os que não mataram israelenses. Mazen – pressionado pelos grupos radicais palestinos como o Hamas, Jihad Islâmica e até as Brigadas de Al-Aqsa, que o apoiou nas eleições – quer a liberdade destes e de mais outros 230 que cometeram assassinatos. Já se tem o primeiro impasse. Para contorná-lo, foi criado um comitê que estudará soluções. Há outras reivindicações imediatas: a interrupção da caça feita a líderes e militantes dos grupos barra-pesada, além do alívio das condições de vida em seu território. Os guerrilheiros estão sob enorme pressão de Israel, mas não são conhecidos por sua paciência. O pavio curto continua pegando fogo na Palestina.

As agências de segurança israelenses alertam que o cessar-fogo só dará tempo para os radicais recuperarem o fôlego e remendarem suas estruturas de operações, abaladas pelo poder de fogo do exército inimigo. Sharon já disse inúmeras vezes que não será possível se firmar um acordo de paz duradouro com os palestinos e que a opção mais realista agora é consagrar uma série de pequenos pactos rumo à paz. Para o primeiro-ministro de Israel, o tempo também é precioso e servirá para completar sua política de retirada e desmanche dos assentamentos de colonos nos territórios ocupados. Liberará, desse modo, preciosos recursos humanos e materiais empacados na proteção dos colonos e aumentará sua já considerável vantagem militar.

O presidente Mazen está, digamos, entre a estrela de Davi e a caldeirinha: não tem cacife para controlar os militantes radicais – já disse que não irá promover caça às bruxas. O líder palestino afirma que a intifada só serviu para desmontar a rede de apoio internacional que os palestinos tinham antes de iniciada a violência. Na quinta-feira 10, ele demitiu os principais chefes de segurança da Faixa de Gaza, depois que o Hamas disparou 30 granadas de morteiros e 26 foguetes contra colônias judaicas. “Não existe uma unanimidade no Hamas em torno da idéia de parar a violência. Um bom paralelo seria o que ocorreu com o Exército Revolucionário Irlandês (IRA), na Irlanda do Norte. Eles têm um braço político, que tenta acordos de acomodação. E ao mesmo tempo, têm a ala militarista que não quer parar a luta armada. No caso do Hamas, assim como em outras organizações radicais islâmicas palestinas, o consenso é apenas o de não depor armas”, diz Cindy Barons, do Instituto de Estudo do Oriente Médio, em Nova York. Está aí um dos itens que a comissão, criada depois do aperto de mão em Sharm el-Sheik, terá de enfrentar.

Tudo isso aparece no prólogo dessa tragédia. Ao se passar ao primeiro ato, vêm as questões sobre o status de Jerusalém, estabelecimento de fronteiras entre os dois territórios – o que o muro construído sob o comando de Sharon já efetuou de fato, mas que não é aceito pelos vizinhos inimigos –, a volta dos quatro milhões de refugiados palestinos e a instituição e o reconhecimento de um Estado palestino. Essas negociações complicadas devem ocorrer sem que haja derramamento de sangue, o que tem se mostrado uma utopia na região. Assim, entre a intenção e o gesto – em Sharm el-Skeik – existe uma enorme distância.

Distância, aliás, preferida pelo governo de George W. Bush, que nem compareceu à cúpula no Egito. A secretária de Estado americano, Condoleezza Rice, assistiu
ao aperto de mão de Sharon e Mazen via televisão. Queimados pelo fracasso
depois daquele outro cumprimento na Jordânia, os americanos optaram por não aparecer nesta fotografia. O que os Estados Unidos fizeram foi prometer ajuda econômica da ordem de US$ 40 milhões para o governo de Mazen e manter a insistência de que se cumpra o plano chamado “Mapa da Paz”, idealizado por russos, britânicos, americanos e a Organização das Nações Unidas (ONU). Sharon, que nunca se comprometeu por escrito ou mesmo verbalmente com esse plano, prestou em Sharm el-Sheik reverência inócua ao “Mapa da Paz”, garantindo a continuidade do apoio superlativo que o governo Bush vem lhe dando há mais de quatro anos. De todo modo, é bom lembrar que as mãos palestinas e israelenses costumam interromper o gesto amigável de saudação e partir para o aperto do pescoço do inimigo.

Divergências: assim como o IRA irlandês, os grupos armados palestinos estão divididos, com setores defendendo o caminho político e outros querendo manter o militarismo. Nesses grupos, há o consenso de que os palestinos não devem depor armas definitivamente

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