Cesar Cielo Esporte

Rei das provas rápidas e primeiro brasileiro campeão olímpico e mundial, o nadador é modesto ao falar de suas conquistas e, mesmo assediado como nunca, foca no trabalho para repetir as vitórias

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para a irmã caçula ele é o Zé. Para os pais e os amigos, Cezão. Caipira daqueles que não escondem o “erre” puxado, traço próprio de paulista do interior, Cesar Augusto Cielo Filho, 1,95 m de altura e 80 quilos, é isso tudo e muito mais. Natural de Santa Bárbara d’Oeste (SP), ele se tornou cidadão do mundo. É o que está escrito no diploma que recebeu, no mês passado, por integrar o seleto grupo de 15 personalidades mundiais que fizeram o revezamento da tocha olímpica dos Jogos de Inverno de Vancouver, em 2010, no Canadá. A singeleza típica do interior, porém, o leva a não alardear seus feitos. Depois de percorrer, sob três graus negativos, de tocha na mão, os 300 metros estabelecidos pelo evento, Cielo assinou o livro dos visitantes ilustres assim: “Apenas um nadador brasileiro.” Essa autodefinição diz muito sobre o atleta que, aos 22 anos, virou orgulho nacional ao ganhar dois ouros no campeonato mundial, no meio do ano, na Itália, ao cravar 21s08 nos 50 m livre e 46s91 nos 100 m livre, o que faz dele o Brasileiro do Ano na categoria Esporte.

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GLÓRIA No mundial da categoria, na Itália: recorde e dois ouros no peito

Antes de Cielo, não havia na enciclopédia esportiva um brasileiro campeão mundial e olímpico – em 2008, em Pequim, na China, ele já subira no lugar mais alto do pódio – em uma mesma prova. A consagração no Foro Itálico, acompanhada com vibração igual à de Copa do Mundo pelos brasileiros, foi dupla: nos 50 m livre, a prova mais rápida da natação, e nos 100 m, que deu ao atleta o recorde mundial. Um dia antes, um de seus técnicos, o australiano Brett Hawke, patrocinou um ritual que encheu o brasileiro de confiança. “Ele levou os óculos do Cezão até o Vaticano e os molhou na água-benta da igreja de São Pedro”, conta Cesar Augusto Cielo, o pai, de 51 anos. Religioso, Cielo fez o sinal da cruz em cima da baliza, segundos antes da prova, e nadou para a glória. Mal sabia que era o fim do seu sossego. Ele já não consegue ir ao shopping sem ser abordado. Este ano, um cartão de celular pré-pago foi deixado por uma garota em sua bolsa com o recado: “Coloque-o no seu celular. Vou ligar para esse número para falar com você.” Além de uma considerável inflação de cartas de fãs, o nadador acostumou-se a ser agraciado com terços. “Tenho dez, de várias cores. As vovós da natação me adoram”, diverte-se ele, que mora em um apartamento em São Paulo, comprado depois de receber o prêmio de US$ 50 mil pelo recorde mundial.

Antes da prova, Cielo escreve o tempo com o qual acredita que irá completá-la

Os 46s91cravados nos 100 m livre por pouco não confirmaram uma previsão que ele fizera antes da prova. Desde os 14 anos, Cielo escreve em um papel o tempo com o qual acredita que irá completar o percurso. “Quando acordo, aparece um número na minha cabeça e ponho no papel.” No mundial, ele entregou um bilhete escrito 46s89 para Hawke e pediu para o técnico ler no final da prova. “Eu só não fiz esse tempo porque na chegada olhei para o lado e pensei ‘acho que ganhei’. A última braçada ficou meio torta”, conta.

“Não quero pagar o preço de um namoro. Nem para minha mãe gosto de dar satisfação”
Cesar Cielo

O campeão mundial de natação não gosta de alardear o título. Mais: diz não ter a exata noção de suas conquistas. A explicação está na ausência de vaidade que o norteia dentro e fora das piscinas. “Meu filho nunca foi de se vangloriar”, afirma seu pai. “Prefiro que olhem para mim e digam ‘aquele cara é o campeão mundial’ do que eu ficar falando”, confirma o atleta. Modéstia não faz mal a ninguém. Mas houve um momento em que sua ambição teve de ser trabalhada. Quem fez o ajuste foi Hawke. No ano passado, em Pequim, no dia em que debutou como medalhista olímpico ao conquistar o bronze nos 100 metros livre, Cielo foi acordado pelo técnico:
“Vamos lá, Cezão, é a final dos 100 livre! Pega a roupa de pódio.”
Cielo achou graça, não levou a sério e foi tomar uma ducha. Ao retornar, seu técnico vestia uma jaqueta.
“Está frio?”, perguntou o nadador.
“Sim”, respondeu Hawke ao pupilo, que escolheu uma roupa semelhante.
Ao sair do quarto, Cielo sentiu o sol brilhando forte.
“Pô, Brett, tá um baita calor!”, reclamou.
“Está vendo, Cezão, eu fiz você acreditar que estava frio. Acredite: você pode ganhar daqueles caras!”, insistiu seu treinador.
Esse trabalho mental de Hawke é um divisor de águas entre a promessa e a lenda da natação brasileira. Nesse dia, aguardando o início da prova no Cubo d’Água, Cielo analisou os adversários. Olhou para um deles e concluiu: “Esse treina comigo, ganho dele todo dia.” Focou em outro: “Esse sempre amarela em finais.” Sobre outro competidor, pensou: “Nunca perdi para esse cara.” Finalmente, mirou o americano Jason Lesak, com quem chegou empatado em terceiro lugar: “O Lesak deve amarelar também.” Nas suas contas havia quatro nadadores para três medalhas.

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INFÂNCIA  No aniversário de 2 anos; com 8 meses, no colo do pai; e, aos 9, no pódio

O brasileiro conquistou um lugar no pódio e na primeira entrevista como medalhista olímpico lá estava um novo Cielo: “Agora, vou buscar a medalha de ouro nos 50 metros.” Cumpriu o prometido, com direito a recorde olímpico. Ele conquistou a excelência no esporte depois que passou a aperfeiçoar sua técnica na Universidade de Auburn, nos Estados Unidos, onde desde 2006 cursa comércio exterior com especialização em espanhol. Lá, Hawke não se abala com o gênio do brasileiro. “Quando estou bravo, não gosto nem de conversar”, conta. Seu técnico no Brasil, Alberto Pinto da Silva, confirma: “Ele chega de manhã monossilábico. Falo com ele depois de cinco minutos dentro da água.” Na maioria das vezes, o que o estressa são as dificuldades do treinamento. Fora da piscina, Cielo foge de dor de cabeça. Por isso, explica, prefere não encarar um relacionamento sério. “Não quero pagar o preço de um namoro. Nem para minha mãe gosto de dar satisfação das minhas coisas!”

A atmosfera de Auburn, de 40 mil habitantes, contribui para a ­impaciência do nadador. “Lá, nas férias, você pode dormir deitado na rua que não será atropelado”, exagera Cesar, seu pai. Sem opção de lazer, é comum a família se transformar em para-raio de Cielo. “Ele liga direto para desabafar. Reclama que o esquilo sujou o vidro, que o guarda o parou na rua, que o carro não liga de manhã”, enumera seu pai. Muitas vezes, a irmã mais nova, Fernanda, é intimada a viajar para os Estados Unidos. Lá, para animar o Zé, como ela carinhosamente o chama, esconde as roupas do irmão e espalha gelo pela cama antes de ele se deitar.

O paraíso de Cielo, porém, é São Paulo. Na capital paulista, consegue sair para a balada três dias seguidos e sumir da vista de técnicos e assessores. Mas, sempre que o nadador dá asas para a vida social, um acontecimento o faz focar no trabalho. No mês passado, no Canadá, ao olhar para a tocha olímpica que empunhava, pensou: “É essa sensação que quero na vida. Quero vencer a Olimpíada e o mundial de novo.” É a busca constante por desafios que fará Cielo retornar para a solidão de Auburn, em janeiro. No Brasil, fica a saudade de amigos e, principalmente, parentes, que viram o menino de 5 anos dar as primeiras braçadas em mar aberto, em Ilhabela (SP), de boias nos braços.