Guido Mantega Economia

Com coragem e tranquilidade para tomar decisões arriscadas, o ministro comandou a economia brasileira na maior crise financeira desde 1929 e fez com que o País saísse dela ainda mais forte

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O ministro da Fazenda, Guido Mantega, é um homem recatado, parcimonioso, que raramente extravasa as emoções em público. Apesar do sangue italiano, costuma medir bem as palavras. Sua fala é pausada e meticulosa. E suas entrevistas são sempre técnicas e racionais. Mesmo quando é interrompido pelo interlocutor, o ministro costuma retomar rapidamente o fio da meada. Ultimamente, porém, Mantega mudou bastante. Diante do desempenho excepcional da economia brasileira, o ministro da Fazenda deixou-se contagiar pelo otimismo. É só sorrisos. Ao receber ISTOÉ em seu gabinete, no dia 26 de novembro, ele mostrou-se entusiasmado com os novos rumos do País. “Nós vamos ter uma economia crescendo vigorosamente de novo. A partir de 2010, voltaremos a crescer 5%. Tem gente falando em 5,5% e 6% porque o Brasil reúne as condições para isso. Nesse exato momento em que estamos aqui conversando, a economia já roda a 4,5%”, assinalou Mantega, sem conter a empolgação. São por números como esses – e tantos outros – que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, é o Brasileiro do Ano de ISTOÉ na categoria Economia.

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“A partir de 2010, voltaremos a crescer 5%; neste momento a economia roda a 4,5%”
Guido Mantega, ministro da Fazenda

Justiça seja feita: Mantega, em grande parte, está colhendo o que plantou. Se o Brasil foi o primeiro país a sair da crise internacional e hoje é reverenciado nos fóruns multilaterais, é porque a equipe do Ministério da Fazenda não titubeou ao enfrentar as novas e difíceis circunstâncias. Enquanto o sistema financeiro americano desmoronava, pondo em risco um dos pilares de sustentação do capitalismo mundial, Mantega avaliou a situação de alto risco, defendeu medidas radicais que manteriam a economia brasileira em movimento e, acima de tudo, manteve o sangue-frio. “O stress ativa o meu funcionamento. Acho que libero adrenalina e fico muito calmo. Eu até gosto de certos desafios. Naquela hora, eu pensei: ‘Temos um grande desafio, então vamos enfrentá-lo.’ O presidente Lula deu a orientação: ‘Sejam ousados, sejam rápidos.’ Então podíamos fazer com ousadia”, relembra o ministro, que hoje está também ousando ao adotar medidas para impedir a apreciação demasiada do real.

O Brasil iniciou 2009 como azarão dos BRICs e terminou o ano como líder do grupo

Como o próprio Mantega explica, o Brasil havia sofrido no fim de 2008 um baque com a paralisação total do crédito no Exterior e pouca oferta interna. “Ninguém emprestava um centavo lá fora. Ninguém confiava em ninguém”, conta. Apesar de o País ter um sistema financeiro sólido, o maior desafio era convencer a população, que estava apreensiva e parou de comprar. E também os empresários, que, com a escassez de crédito, decidiram adiar investimentos. “Não era nada fácil”, desabafa o ministro. Ele, então, criou o Grupo de Acompanhamento da Crise (GAC) e deu a ordem para o Banco do Brasil emprestar R$ 5 bilhões para os agricultores e garantir a safra de 2009. No dia 1º de janeiro, reduziu o Imposto de Renda para Pessoa Física, “a fim de deixar mais dinheiro na mão do brasileiro para ele consumir”. Decidiu também colocar R$ 100 bilhões de recursos do Tesouro Nacional no BNDES. O que nunca tinha sido feito antes. Com essa medida, o Ministério da Fazenda sinalizava ao empresariado que não faltaria dinheiro. “O BNDES nem estava pedindo isso. Cheguei e disse ao Luciano Coutinho: ‘Vou te dar R$ 100 bilhões’, que era o que eu achava necessário para atender à demanda por crédito”, lembra.

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TENSÃO Mantega diz que a adrenalina funciona como uma espécie de calmante

“O Brasil vai liderar os investimentos na indústria automobilística”
Guido Mantega, ministro da Fazenda

Também foi decisivo o pacote de desonerações, sobretudo dos automóveis. O esforço fiscal para reduzir o IPI, embora visto como eleitoreiro pe­la oposição, tem um efeito estratégico. Mantega lembra que toda a cadeia produtiva do setor automobilístico representa quase 24% do PIB e emprega 1,5 milhão de pessoas desde a siderurgia até as oficinas mecânicas. “O sonho do brasileiro é casar com uma mulher bonita, ter um carro zero, ter uma casa, ter um emprego. O carro é símbolo de patrimônio, de conforto, de status”, afirma ele. Mantega, em seguida, desonerou a linha branca de eletrodomésticos, os materiais de construção e móveis, o que causou uma procura sem precedentes no meio da crise e provocou até falta de produtos.

A falta de produtos, segundo alguns economistas, acendeu o sinal amarelo da inflação. O ministro da Fazenda, porém, afasta os temores. “Nós controlamos os preços. Eu controlo.” Este é o momento, afirma Mantega, de as empresas investirem, porque o governo dará segurança aos investimentos de longo prazo. Essa é uma das razões pelas quais o ministro resolveu estender os incentivos para a compra de automóveis até março de 2010. Segundo ele, a indústria automobilística mundial está decidindo agora sobre futuros investimentos. “Vão escolher entre a China, a Rússia e o Brasil. E eu quero que seja no Brasil”, diz. “Em 2010, o Brasil será o País como o maior volume de investimento na indústria automobilística e na linha branca. Podem esperar.”

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Mantega se inspira em Napoleão, do qual conhece todas as batalhas e histórias

Tanta segurança e otimismo já eram vistos no início deste ano, quando Mantega fez prognósticos positivos sobre a economia brasileira. “Se eu errasse me crucificariam, né? Quando você acerta, tudo bem, passa batido”, brinca. Na verdade, o resultado da economia foi bem além do que Mantega poderia esperar. O Brasil iniciou 2009 como o azarão dos BRICs – grupo formado por Brasil, Rússia Índia e China – e terminou o ano como líder do grupo. O País teve um papel importante na transformação do G-20 em principal fórum mundial, substituindo o G-8. Mantega conta que, em 2008, ligaram para ele da Casa Branca pedindo permissão para que o presidente George Bush participasse da última reunião do G-20 naquele ano, que reunia apenas os ministros da Economia. “É claro que eu concordei”, afirma. Um mês depois, o próprio Bush convocou uma reunião com os presidentes. “Então, estávamos sentados à mesa assim: o Bush, o Paulson (Henry Paulson, secretário do Tesouro americano na época), o presidente Lula e eu, assim, lado a lado, sentados, porque o Brasil ocupava a presidência do fórum”, lembra o ministro.

Apesar da dedicação quase monástica aos problemas da economia, Mantega, sempre que pode, faz questão de se desligar do mundo real nos fins de semana. Aos sábados e domingos, não lê os jornais e não assiste ao noticiário da tevê. Além dos exercícios diários de musculação e caminhadas, o ministro dedica as horas de lazer à literatura, à música clássica, ao teatro e ao cinema. Mantega é leitor assíduo de biografias de grandes estadistas. Mas o personagem da história que mais admira é Napoleão Bonaparte. Mantega conhece todas as histórias e batalhas do imperador francês. “Ele consolidou uma parte dos avanços da Revolução Francesa. Isso se fala pouco.” Aos poucos e com sua maneira modesta de ser, nada napoleônica, Mantega também tem vencido batalhas importantes e, com 60 anos, faz história na condução da economia brasileira.

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