Vivem-se dias estranhos na capital do poder. No coração do Congresso, na mais recente CPI que apura corrupções de políticos e empresários, chocava os espectadores presentes uma cena inusitada trazendo vários personagens em papéis trocados. Na ponta da comissão julgadora, fazendo as vezes de censor severo da bancada que investigava, questionava e repreendia malfeitos, pontifi cava o ex presidente Fernando Collor de Mello, apeado do Planalto no início dos anos 90 em meio a um rumoroso processo de impeachment por quebra de decoro. Ao lado, Renan Calheiros, parceiro de longa data, ex-líder do seu extinto partido PRN e, também ele, forçado a renunciar ao posto de presidente do Senado por ser pilhado em fl agrante com as contas de uma amante pagas por uma empreiteira. O Calheiros que agora julgava o adversário Demóstenes Torres foi por esse julgado em 2007 quando de suas tramoias.
Algozes se revezavam naquela casa que tudo tolera e ilustravam o tamanho da contaminação parlamentar. Fora daquele ambiente já demasiadamente consumido por favores e troca de facilidades fi nanceiras, um magistrado da mais alta corte abria o verbo de maneira exaltada e histriônica para acusar e apontar o dedo contra um ex-presidente, o Lula do PT, tido e havido como o mais popular entre os ocupantes do Alvorada. No seu destempero, Gilmar Mendes, o juiz denunciador, falava em gangsterismo, molecagem de bandidos desrespeitosos. Mirava o alvo com uma fúria pouco comum entre titulares do Supremo. Judiciário e Executivo estiveram assim perto do fantasma de uma crise institucional, abafada nos bastidores por articuladores mais serenos. De pouco ou nada valeram para o debate coerente da situação os excessos cometidos pelo ministro do STF. Ao contrário, lhe tirava parte da razão a acidez dos comentários de baixo calão, num linguajar típico de vereadores da fi ctícia Sucupira, e não de um digno representante do tribunal supremo. Quem prevaricou, quando e como são questões que nem precisam ser provadas. A simples circunstância de um ex-presidente da República, seu ex-ministro da Defesa e um ex-presidente do STF se encontrarem para tratar de tema tão espinhoso como o processo do mensalão já confi gura por si só um momento de indecência. Brasília fi cou mais amoral.