Quando era parte da Colômbia, o território do atual Panamá recebeu a “visita” de uma frota da Marinha dos Estados Unidos, no dia 3 de novembro de 1903. Os navios americanos bloquearam os portos panamenhos em socorro a um suposto movimento separatista que, com o apoio dos marines, declarou a independência do Panamá. Alguns dias mais tarde, Washington e o novo governo assinaram o acordo Hay-Bunau Varilla, que cedeu aos EUA, perpetuamente, a zona que compreende o Canal do Panamá – inaugurado em agosto de 1914. E assim, os americanos controlaram um dos pontos mais estratégicos do mundo e uma das maiores obras de engenharia do século XX até dezembro de 1999. Cinco anos depois que a administração do canal foi devolvida ao Panamá, muita coisa mudou. E o controle sobre as divisas geradas pela ligação construída entre o Pacífico e o Atlântico é apenas parte da mudança.

Se em termos geopolíticos a zona do canal era de vital importância para o emergente poderio ianque, para a gigantesca economia americana a operação do canal tinha um caráter absolutamente secundário. Basicamente, a renda do pedágio servia para cobrir seus custos de operação. Mas, em mãos panamenhas, o canal (seu faturamento é 8% do PIB) ganhou um novo modelo de administração, com métodos de empresa privada, ainda que pertença ao Estado. A operação do canal, sob responsabilidade do Panamá, tem de ser necessariamente rentável. Isso significa dar lucros e investir na melhoria dos serviços. Em 2003, o canal bateu seu recorde histórico, com faturamento total de US$ 1,06 bilhão. Há cinco anos, cerca de US$ 200 milhões são reinvestidos por ano em aprimoramento das condições de navegação. Em 1996, o tempo de espera de um navio para entrar no canal era de 37 horas; atualmente, esse tempo baixou para 26 horas.

O acréscimo na arrecadação, somado à retomada do controle, se traduz em um aumento gigantesco de recursos repassados ao governo do Panamá. “Estimamos que em seis anos, até 2006, a administração panamenha vai aportar ao governo mais recursos do que a administração americana aportou em 85 anos”, afirmou Manuel Benítez, aubadministrador da Autoridade do Canal. Enquanto os americanos pagavam uma quantia fixa de US$ 10 milhões (segundo o tratado de Torrijos-Carter de 1977, que garantiu a devolução do Canal) e mais uma quantia do excedente, se houvesse, a atual administração repassa recursos diretamente ao governo de três maneiras distintas. De cada tonelada do pedágio, que tem de ser pago com antecedência, US$ 0,65 vão direto para os cofres do Tesouro. Além disso, a administração paga anualmente pelos serviços públicos utilizados e também repassa o lucro líquido (que em 2004 superou os US$ 257 milhões), em forma de dividendos. Em 2004, o Canal encheu os cofres federais com US$ 340 milhões.

Só falta agora essa montanha de dinheiro chegar aos 2,9 milhões de panamenhos, que sofrem com um desemprego de 14%. Com o fim do domínio americano sobre o canal, terminou também a presença militar nesse pequeno país. Para se ter uma idéia, durante muitos anos, o Panamá foi a sede do Comando Sul do Exército americano. E isso significava a presença constante de mais de 27 mil soldados (durante a Segunda Guerra, foram quase 70 mil). Foram-se os soldados, mas foram-se também os dólares (trazidos pelas famílias dos soldados), que eram trocados diretamente com a população. No calor úmido da Cidade do Panamá, em uma feira de artesanatos, onde faz bicos para sobreviver, Roberto Alvarado, 50 anos, reclama do desemprego. “Os soldados americanos traziam dólares. É muito bom ter o controle do canal, mas é preciso ter emprego e casas para o povo”, diz ele.