REPRODUÇÕES: PAULO JARES/AG. ISTOÉ      

CENAS DO RIO Coleta de dinheiro para a igreja (à esq.), castigo de um escravo e família saindo a passeio: Debret foi também um documentarista

O pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) chegou ao Brasil em 1816, oito anos depois de dom João VI, como integrante da missão francesa. Ao longo de uma década e meia, tempo em que viveu no País, ele produziu o que é considerado o melhor retrato do período joanino. Nada mais natural, portanto, que, no momento em que se festeja o bicentenário do desembarque da corte portuguesa em solo brasileiro, haja uma exposição desse artista como parte das comemorações. Trata-se da maior e mais completa mostra de Debret, com cerca de 600 obras, que estará aberta ao público a partir do dia 25 de março, na Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro. Boa parte das pinturas integra o acervo dos Museus Castro Maya, que reúnem 90% das aquarelas. Separadas por temas como religião, comércio e escravidão, 220 delas estarão distribuídas pelo salão principal, enquanto uma outra sala abrigará 126 esboços. São essas 346 obras que originaram o livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, publicado em três volumes, entre 1834 e 1839. Também estarão expostas, pela primeira vez, as 151 pranchas feitas por Debret após seu retorno à Europa em 1831. “Teremos o conjunto de sua obra sobre o Brasil, dos esboços feitos nas ruas do País às litografias realizadas na França. O seu trabalho nunca foi mostrado dessa forma”, diz o curador Julio Bandeira, que conseguiu ainda seis quadros a óleo produzidos por encomenda de nobres portugueses e da família real.

Ao chegar ao Brasil, Debret ainda estava impregnado de sua formação neoclássica. Aqui, foi mudando a sua arte tão logo começou a desenhar cenas do cotidiano da então capital imperial. “O encanto pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil foi tanto que fez com que ele se despojasse do rigor que trazia da Europa”, diz Bandeira. É dessa fase de mudança, aliás, que surgiu o nome da exposição: Os Museus Castro Maya apresentam o teatro pitoresco de Debret. Assim, a mostra será um palco da realidade brasileira, desde dom João VI até a Independência, com dom Pedro I. Vai ser uma verdadeira caixa do tempo. O trabalho de Debret sempre foi mais valorizado aqui do que na Europa e a maior parte de sua obra voltou ao País pelas mãos de colecionadores, entre eles o empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968): em 1939, ele comprou do marchand franco-brasileiro Roberto Heymann 551 pinturas que englobavam esboços e aquarelas. Na verdade, há pouca coisa de Debret na França e em Portugal. Ele é preciosíssimo para o Brasil.

Segundo a historiadora Valéria Lima, autora dos livros Uma viagem com Debret e J-B Debret, historiador e pintor, as imagens do artista francês não são valiosas apenas por retratarem, isoladamente, cenas prosaicas do Rio de Janeiro. Valéria diz que, ao organizá-las no livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Debret apresentou sua interpretação da formação do País. “Ele é realmente um documentarista e isso, de certa forma, desmerece suas imagens. Uma coisa são as imagens soltas e outra, a organização que ele fez no livro, que mostrava sua visão do Brasil.” Essa visão foi agora reconstituída na exposição que faz justiça ao seu grande talento.

 

O CATÁLOGO RAISONNÉ DE DEBRET

Acaba de ser lançado Debret e o Brasil, o mais completo livro já feito no País sobre um artista do século XIX. Trata-se de um catálogo raisonné com o levantamento da obra desse artista, produzida no Brasil ou sobre o Brasil (708 páginas). Com coordenação e texto de Julio Bandeira e Pedro Corrêa do Lago e editado pela Capivara, a obra também exibe pinturas com “atribuições questionáveis”, como um óleo de dom João VI no Museu Imperial de Petrópolis. Registra o livro: “Trata-se, mais provavelmente, de um trabalho executado por um seguidor do artista.”