Se os negros americanos fossem uma nação, estariam empatados com o Brasil no ranking das maiores economias mundiais, por volta do 11º. lugar em PIB. O mercado de produtos voltados para os afro-americanos é imenso. No Brasil, a estratégia de encarar os negros como consumidores distintos ainda é restrita a algumas publicações e marcas de cosméticos. Medir o impacto deste filão na economia é bem mais difícil por aqui, onde a desigualdade empurra os negros para a base de uma das pirâmides sociais mais injustas do mundo. Não por acaso parte de uma empresa americana tomou a decisão de investir em produtos voltados para essa parcela da população, especialmente na black music brasileira. A You Entertainment, criada com esse objetivo, prepara para meados de março uma festa de arromba em um sofisticado resort na Bahia, para anunciar o investimento de US$ 5 milhões.

    
A idéia partiu do produtor e empresário americano Clarence O. Smith, que fundou e presidiu por 32 anos a Essence Comunications, editora da revista Essence. Trata-se de um incontestável sucesso editorial nos Estados Unidos voltado para as mulheres negras, atingindo o respeitável número de 7,5 milhões de leitores/mês. Clarence vislumbrou cifrões no Brasil em 2000, numa inocente viagem a Salvador. Ele iria fazer turismo no Egito, mas mudou de destino em função da guerra do Golfo. Na Bahia, se impressionou com a forte identidade entre o ritmo negro dos dois países e decidiu abrir uma agência de turismo para trazer a classe média negra americana – e seus dólares – para o Brasil. A Avocet pretende decolar com um vôo charter direto de Nova York para Salvador em 28 de abril, com 200 a 250 passageiros.

A segunda e mais sonora aposta de Clarence é a You Entertainment, um selo fonográfico que nasceu para misturar o som e os artistas negros brasileiros e americanos. Em 2002, Clarence incumbiu dois produtores seus de esquadrinharem o Brasil em busca de sons e jovens artistas. A primeira descoberta da dupla foi o produtor musical Asfilófio de Oliveira Filho, o Dom Filó, que virou diretor musical da You. O primeiro produto é o CD Soul of Brazil, com músicas brasileiras cantadas por americanos e vice-versa. Até o final do ano, serão sete CDs. A julgar pelo que Clarence já aprontou nos Estados Unidos, há muita agitação à vista no Brasil, embalada pela black music: shows, DVDs, festivais, produção para tevê e cinema e diversos eventos. O Essence Music Festival, idealizado por ele, reúne no feriado de 4 de julho cerca de 200 mil pessoas em Nova Orleans, movimentando US$ 100 milhões.

Causa negra – O executivo-chefe da You no Brasil, Scott Folks, que passou
a viver no circuito Nova York–Salvador–Rio, não gosta de misturar dinheiro
com questões raciais. “Nosso negócio é música. Mas essa conexão existe
porque vamos dar voz aos afro-brasileiros na indústria do entretenimento”,
diz Scott. Para a produção musical brasileira, segundo Dom Filó, o mais importante será o acesso a públicos internacionais, com destaque, além dos Estados Unidos, para os “mercados inusitados”, como Índia, Japão e Taiwan. Os CDs produzidos pela You no Brasil serão distribuídos pela ADA, a maior distribuidora americana de música independente.

“Acho uma pena a falta de investimento no negro brasileiro. É muito interessante a You abraçar a causa negra e a causa do artista desconhecido”, ressalta a carioca Mariana Rangel, 21 anos, que começou aos 16 anos cantando nas escadarias de uma igreja na favela do Jacarezinho, onde ainda mora, na zona norte do Rio. Mariana está entre os músicos do CD Soul of Brasil. “Todos nós, negros brasileiros, sentimos os limites que a raça branca nos impõe. Precisávamos de alguém que advogasse em nosso favor com expertise e dinheiro”, resume o carioca Edmon, 40 anos, intérprete de Sensualidade (versão feita por Eliana Pittman de Femininity, de Eric Benet e Christian Warren) e O que vai ser (What´s it gonna be, de Brian Mcknight e Brandon Barnes). Alexandre Lucas, autor de quatro canções, completa: “Já estava na hora de a gente ter uma oportunidade.” Mas oportunidade mesmo é a da baiana Fernanda Noronha, jóia garimpada no circuito de bares de Salvador por Dom Filó: será dela o primeiro CD solo da You. E é só o começo.