A presidência da Câmara dos Deputados, decidida na segunda-feira 14, é um dos postos mais ambicionados da política brasileira – e também um dos menos abençoados. Desde o fim do regime militar, os ocupantes do terceiro cargo mais importante da República trombam no destino, na falta de sorte, na ingratidão ou na miudeza de suas ambições pessoais. Viveram desgraças e percalços que comprometeram a gestão, a carreira, a biografia e, em alguns casos, a própria vida. Apesar disso, a sucessão de João Paulo Cunha, disputada por cinco candidatos, dois deles do PT, gerou divisão no Congresso e disseminou insegurança no Planalto.

Tanta cobiça não é gerada apenas pelo afã em se tornar uma celebridade. Muito poder passa por este cargo. “Se o presidente Lula não contasse com uma pessoa cooperativa na presidência da Câmara, várias de suas ações ficariam emperradas. Metade da agenda do Executivo depende do Legislativo. As reformas Tributária, da Previdência, a Lei das Falências tramitaram na Câmara. O Orçamento passa por lá. O governo aprovou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) em 24 horas no Senado e na Câmara”, explicou o cientista político Fabiano Guilherme dos Santos, diretor executivo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), autor do livro O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão.

O homem que lidera 512 deputados, 17 mil funcionários e um orçamento anual de R$ 2,3 bilhões deveria ver, na presidência da Câmara, a ante-sala para gabinetes mais nobres do poder. Mas não é o que mostra a história recente. Dos nove presidentes da Casa, desde o fim da ditadura, apenas um teve um upgrade político: Aécio Neves (2001/02) trocou o cargo pelo governo de Minas, o segundo maior colégio eleitoral do País. Uma escala prévia de dois conterrâneos que saíram dali para o Planalto – Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.

A lista de desgraças começa com Flávio Marcílio (1983-85). Nome de confiança dos militares, compôs com Paulo Maluf a chapa derrotada por Tancredo e José Sarney no Colégio Eleitoral, em 1985. Após presidir a Constituinte, Ulysses Guimarães (1985-89) afundou na eleição presidencial de 1989: teve apenas 4% dos votos. Em 1992 desapareceu na queda de um helicóptero em Angra dos Reis. Como Sarney assumiu no lugar de Tancredo, Paes de Andrade (1989-91) acabaria sendo o presidente da Câmara que mais vezes ocupou a Presidência da República, nas ausências do titular. Gostou tanto que lotou o boeing do Planalto com amigos para desembarcar na sua cidade natal, Mombaça (CE). Depois dessa, Paes nunca mais decolou. Ibsen Pinheiro (1991-93) estava na encruzilhada do impeachment de Collor e era opção forte para o Planalto quando teve seu nome envolvido nas denúncias dos Anões do Orçamento. Acabou massacrado pela imprensa – inclusive sendo vítima de um sabido erro de reportagem da revista Veja – e cassado pelo plenário da Câmara. Inocêncio Oliveira (1993-95), ícone do baixo clero, é mais conhecido pela ajuda que recebeu do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) para cavar poços artesianos em sua fazenda de Serra Talhada (PE). Agora está sendo denunciado por prática de trabalho escravo na fazenda.

Luiz Eduardo Magalhães (1995-97), amparado pelo pai, Antônio Carlos Magalhães, preparava-se para uma escala no governo baiano antes de tentar o Planalto, quando sucumbiu a um infarto fulminante. Michel Temer (1997-2001) foi quase ministro de Lula e quase candidato a vice de Marta Suplicy na disputa pela prefeitura paulistana. Acabou derrotado como candidato a vice de Luiza Erundina (PSB) e hoje preside o dividido PMDB. Por fim, João Paulo Cunha (2003-04), sem a chance da reeleição, tem como a;ternativa um distante sonho de disputar o governo de São Paulo. A maldição da cadeira pode pegar.