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A realização excessiva de exames é vista hoje como um dos mais graves problemas da saúde pública. Além dos custos elevados, há um questionamento sobre o impacto real desses testes na mortalidade. Na semana passada, mais um dado voltou a agitar a discussão. Médicos que compõem a Força-Tarefa para Serviços Preventivos dos Estados Unidos, uma comissão não governamental composta de especialistas independentes, causaram polêmica ao desaconselhar a realização do exame de PSA (antígeno prostático específico), para diagnóstico do câncer de próstata, na população em geral.

O grupo concluiu que o teste periódico entre os homens de maneira indistinta poderia gerar mais danos do que benefícios. Levaria ao excesso de diagnósticos de tumores de evolução lenta que provavelmente não provocariam sintomas ou não causariam a morte. Também permitiria uma exposição desnecessária a tratamentos que têm como efeitos colaterais a incontinência urinária ou impotência para cerca de 30% dos pacientes. A dedução, publicada na revista científica “Annals of Internal Medicine”, está baseada em dois grandes estudos feitos nos Estados Unidos e em sete países da Europa. O trabalho não apontou redução na mortalidade entre os homens que fizeram o PSA.

O anúncio causou polêmica. “Os dados dos estudos nos quais eles se baseiam precisam ser mais bem examinados”, diz o oncologista Gustavo Guimarães, diretor do Núcleo de Urologia do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. “Até lá, a recomendação da Sociedade Americana de Câncer parece ser a mais sensata: homens acima de 50 anos sem fatores de risco devem decidir com seus médicos se querem ser avaliados.” Além disso, o médico argumenta que há escalas para classificar os tumores de próstata que subsidiam os oncologistas nas situações em que é possível discutir com o paciente se é preferível tratar ou apenas acompanhar a evolução do tumor.

Para o oncologista Paulo Hoff, diretor de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer de São Paulo, é necessário esclarecer que o alvo das recomendações da força-tarefa americana são as políticas de saúde pública. “Elas são observações do impacto populacional desses exames quando feitos rotineiramente. No âmbito individual, se o médico entender que o PSA é necessário para o seu paciente, as seguradoras e o sistema de saúde americanos continuam pagando a realização do teste”, diz Hoff. “Eu discuto as possibilidades com o paciente, mas a minha tendência é pedir o PSA”, afirma o médico.

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"A minha tendência é pedir o exame PSA,
que detecta o câncer de próstata"

Paulo Hoff, oncologista

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Anteriormente, outra comissão americana colocou em xeque a eficácia da mamografia de rotina. De acordo com especialistas, só um pequeno número de mulheres que tiveram seus tumores diagnosticados pelo exame de rastreamento, feito anualmente, foram salvas pela detecção precoce. Novamente, porém, há controvérsias em relação ao resultado. Um estudo realizado na Suécia com mais de um milhão de mulheres na faixa dos 40 a 49 anos, acompanhadas por um tempo médio de 16 anos, mostrou que fazer mamografia nesse período reduz a mortalidade. Em países onde a mamografia não é amplamente acessível, como o Brasil, a mortalidade é alta. Para este ano, estima-se o surgimento no País de 50 mil novos casos e o registro de dez mil mortes causadas pela doença. “Recomendo que as mulheres façam mamografia todo ano a partir dos 40. Isso porque os tumores mais agressivos são mais comuns em mulheres mais jovens”, diz o oncologista Sérgio Simon, do Hospital Israelita Albert Einstein e do Centro Paulista de Oncologia.

O questionamento do excesso de testes vai além dos exames para câncer. Recentemente, nove sociedades americanas lançaram uma lista na qual recomendam que 45 testes sejam solicitados com mais rigor e menos frequência. Entre eles a realização de tomografias para casos de sinusite ou dores de cabeça. No campo da cardiologia são citados procedimentos como eletrocardiogramas, cintilografia, ecocardiografia ou a ressonância por stress – testes em que ocorre a injeção de substância para analisar o coração em condições de má oxigenação. “São testes muitas vezes incluídos de forma desnecessária em check-ups anuais em pacientes sem sintomas, por exemplo”, diz Evandro Tinoco Mesquita, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Um dos riscos é submeter os indivíduos a doses desnecessárias de radiação.

O médico está avaliando se o exame ecodopplercardiografia (ultrassom do coração) está sendo indicado de forma apropriada nos hospitais da Universidade Federal Fluminense e no Pró-Cardíaco, ambos no Rio de Janeiro. Um dos problemas do uso inadequado é a elevação dos custos. “Precisamos caminhar para o uso mais racional e eficiente dos recursos”, diz Mesquita. “É uma tendência em todo o mundo.”

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